Cidadania, poder local e controle do Estado
Angela
Moulin Simões Penalva Santos*
Eduardo
Pereira Nogueira da Gama**
Abstract
Brazilian
society is experiencing a population expansion within the context of
decentralisation of public policies, from the central government to local
institutions. Following this line of thought, in this article we analyse the
public expenses in the Brazilian Federation in the period 1996-1998 in order to
identify the institutions that have assumed the financial right of the citizens,
as well as to estimate if there has been a transfer of responsibilities among
federal institutions. The success of this process is related to the integrated
performance of the external control from the public administration. In that
sense, we also study the control exercised by Parliaments, Administrative
Courts, Public Prosecution Offices and the Judicial Power beyond social
control, taking into consideration their improvement and highlighting the
control of the Public Prosecution Office as well as the control exercised by
the popular councils.
Keyword:
Decentralisation,
external control from the administration, Public Prosecution Office, social
control.
Resumo
A sociedade
brasileira vem vivenciando a expansão de sua cidadania em um contexto de descentralização
das políticas públicas, do governo central para as instâncias locais de poder.
Nessa linha, o presente artigo analisa as despesas públicas na Federação
Brasileira durante o período 1996-1998, buscando identificar quais instâncias
governamentais têm assumido o financiamento dos direitos dos cidadãos, além de
avaliar se houve transferência de responsabilidades entre instâncias
federativas. Estando o êxito desse processo vinculado ao funcionamento
integrado dos controles externos da Administração Pública, o presente artigo
estuda também os controles exercidos pelos Parlamentos, Tribunais de Contas,
Ministério Público e Poder Judiciario, além do controle social, tendo em vista
o seu aprimoramento, destacando o controle exercido pelo Ministério Público e o
controle social exercido por conselhos populares.
Palavras-chave:
descentralização, controles externos da administração, ministério público,
controle social.
* Universidade Estadual do Rio de
Janeiro. Coreo-e: angelapenalva@terra.com.br
** Universidade Estadual do Rio de
Janeiro. Correo-e: edgama8@yahoo.com.br
Introdução[1]
O
objetivo do artigo é a associação entre a proteção dos direitos dos cidadãos, o
processo de descentralização e as formas de controle sobre o poder público.
Trata-se de uma análise sobre como a sociedade brasileira vem vivenciando a
expansão da sua cidadania em contexto de descentralização das políticas
públicas.
A cidadania no
Brasil foi significativamente expandida após a entrada em vigor da atual
Constituição Federal, promulgada em 1988. A partir de então, os direitos
constitucionais dos cidadãos passaram a incluir, além dos direitos civis,
políticos e sociais, os coletivos e os difusos. Os primeiros (direitos civis e
políticos) referem-se à primeira geração de direitos, o mais importante dos
quais nas sociedades modernas é o relativo à segurança pública. Os direitos de
segunda geração são aqueles chamados de “direitos sociais”. O artigo 6º da
Constituição Federal do Brasil os define como abrangendo a educação, a saúde, o
trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e a assistência aos desamparados. Além desses, os cidadãos
conquistaram os direitos difusos, também conhecidos por “direitos de terceira
geração”, sendo o relativo ao meio ambiente um dos mais relevantes dentre eles.
Parte dos direitos sociais são apenas tutelados pelo Estado, como é o caso do
direito ao trabalho, mas outros, como a previdência social, são providos
diretamente pelo Estado. Ambos os casos, todavia, exigem, menos ou mais, o
aporte de recursos públicos.
O atendimento a
uma agenda ampliada de cidadania constitui um grande desafio ao poder público
dado o contexto de globalização, limitando a atuação do Estado. Como é por
demais sabido, a crescente interdependência da economia mundial ao longo das
duas últimas décadas resultou numa progressiva perda de capacidade do Estado em
formular e implementar políticas que desafiem a ordem internacional. Assim, as
políticas de maior alcance no que tange à produção e emprego, as políticas
monetária, fiscal e cambial, tornam-se prisioneiras de uma agenda internacional
sobre a qual governos de países como o Brasil têm escassa possibilidade de
interferir. Após 50 anos de forte intervencionismo estatal (1930-1980), o Estado
brasileiro vê limitado em grande medida seu poder de induzir o desenvolvimento
e manter-se como sujeito do processo de modernização das estruturas sociais,
políticas e econômicas.
Esse
constrangimento a que se submete o Estado Nacional, e que não é exclusivo do
caso brasileiro, suscitou o debate sobre a necessidade da “reforma do Estado” urbi
et orbi. As
principais faces dessa reforma foram o processo de privatização do setor
produtivo estatal e a descentralização das responsabilidades do governo federal
para as instâncias locais de poder. A descentralização passou a ser defendida
como uma estratégia para lograr melhor gerenciamento do poder público, uma vez
que é o governo local que tem maior capacidade de alocar eficazmente os bens
públicos cujos benefícios sejam espacialmente localizados. Outro argumento
importante é que o fornecimento de bens públicos pelos governos locais
proporciona maior flexibilidade e melhor adaptação dos investimentos públicos
às preferências e necessidades da população. Ademais, o fato de o governo
municipal atuar sobre um universo menor de cidadãos favorece a maior
participação da população na formulação das políticas públicas, democratizando
as estruturas de poder. Essa, por sua vez, “territorializa” a demanda por
cidadania, de “baixo para cima”, conferindo legitimidade ao poder público.
A
descentralização constitui uma inovação na estrutura do poder político, uma
estratégia para conferir legitimidade ao poder público. O êxito desse processo
depende, entretanto, da existência de instrumentos de controle externo do
Estado, seja pela disseminação da cultura de participação popular, seja pela
criação de instituições voltadas para esse fim. No Brasil, a Administração
Pública está sujeita a um controle externo exercido pelo Poder Legislativo, com
o auxílio de Tribunais de Contas, encarregados da fiscalização contábil,
financeira, orçamentária, operacional e patrimonial de todas as entidades
administrativas e de todos os projetos desenvolvidos por entidades privadas com
recursos públicos. Além dessa, a Administração Pública também está sujeita a
outra forma de controle externo: trata-se do controle exercido pelo Poder
Judiciário, sob provocação do Ministério Público, dos cidadãos e entidades
coletivas. Pode-se ainda mencionar o controle externo que é feito diretamente
pelo Ministério Público, independentemente de provocação ao Poder Judiciário,
além do controle social, exercido diretamente pelas entidades civis e cidadãos,
sempre que estes ajudam a planejar e a fiscalizar a aplicação dos recursos
públicos e cobram de seus representantes políticos uma gestão responsável da res
publica.
O objetivo de
associar esses fenômenos da cidadania expandida, descentralização da
administração pública e controle externo do Estado será realizado mediante: i)
levantamento de dados relacionados à estrutura das despesas públicas, buscando
evidências a respeito de qual instância governamental tem assumido a
responsabilidade pela tutela ou financiamento dos distintos direitos dos
cidadãos brasileiros, além de avaliar se houve, no período considerado
(1996-1998), transferência de responsabilidades entre instâncias de governo; e
ii) estudo sobre as distintas formas de controle externo do Estado, dentre as
quais destacam-se o exercido pelo Ministério Público, por se tratar de
Instituição autônoma, cujos membros têm alto grau de independência funcional e
um amplo espectro de atribuições no controle do poder público; e o controle
social, exercido mediante a instituição de conselhos populares.
1. Descentralização e
estrutura das despesas públicas
Durante
o período 1930-1980, o Brasil experimentou uma mudança extraordinária na sua
estrutura social, produtiva, demográfica e política. Até a Revolução de 1930 –e
da Grande Depressão de 1929–, o país era essencialmente rural e dependente das
agroexportações. A partir daí, houve intenso processo de industrialização e um
outro, ainda mais acelerado, de urbanização da população. Em 1940, menos de uma
terça parte da população (31,2%) vivia em áreas urbanas, mas, em 1980, esse índice
já havia alcançado dois terços.
Esse crescimento
demográfico está associado às transformações na estrutura produtiva, com a
indústria passando a contribuir com 40.56% do pib,
em 1980, enquanto que a agropecuária declinava sua participação a apenas 10.2%.
A superação da condição de país agrícola levou à expansão do pib per capita de R$ 637.00[2] em
1947[3]
para R$ 2,686.00, em 1980. A partir desse ano, e até 1996, esse valor variou
pouco, mas sempre mantendo um valor inferior ao vigente em 1996, tendo somente
voltado a crescer a taxas modestíssimas, em 1997. Em 2001, o pib per capita do país era de R$
2.922,00, apenas 8,8% superior àquele de 1980.
No período
1930-1980, a expansão econômica e a modernização das estruturas sociais,
políticas, demográficas e econômica esteve associada à intervenção estatal num
contexto de afirmação das políticas keynesianas, de ampliação de direitos
sociais e da concepção cepalina segundo a qual a industrialização era
considerada instrumento de superação do subdesenvolvimento. A implementação
exitosa de dois planos de desenvolvimento, o Plano de Metas (1956-1961) e o ii pnd (1974-79) permitiram que
praticamente se completasse a estrutura industrial no Brasil, elevando o país à
condição de potência regional. Nos dois planos, o investimento público do
governo federal foi o mecanismo que sustentou o êxito daquelas políticas, o que
teria permitido a ‘marcha forçada’ da economia brasileira mesmo após a
desaceleração do crescimento econômico, na segunda metade da década de 1970.
Aquele período foi, enfim, marcado pela constituição do país como uma nação,
segundo o eminente economista Celso Furtado, por ter articulado as distintas
regiões do país em torno do projeto nacional de industrialização.
Ao longo das
décadas de 1980 e 1990, a taxa de investimentos caiu significativamente,
resultado da crise econômica, mas, em particular, em função da incapacidade do
governo federal sustentar as taxas de investimento que tinha realizado
principalmente no período de 1950 a 1970. Em 1980, a taxa de investimentos[4]
foi cerca de 24%, declinando em seguida até atingir o nível mais baixo,
correspondente a cerca de 14%, em 1992. Após a estabilização monetária de 1995,
mediante a implantação do Plano Real, houve uma pequena melhora naquela taxa,
mas esta tem se mantido em torno de 16% do pib.
Esse desempenho está associado à retração do setor público. Segundo o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística –ibge–,
(Contas Nacionais do Brasil) o investimento público declinou significativamente
em proporção à taxa de investimento global na economia brasileira. A tabela 1
apresenta a composição dos investimentos, segundo a origem do capital.
Tabela 1
Taxa de investimento, por origem do capital
1996-2000
Fonte: ibge,
Diretoria de Pesquisas, Departamento de Contas Nacionais.
(*) Valor em rs 1.000.000
Os
dados acima apontam um declínio da contribuição do Setor Público para o nível
dos investimentos na economia brasileira. Cabe destacar que esse declínio é
mais significativo no âmbito das Empresas Públicas, mais do que na
Administração Pública, devido ao aprofundamento do processo de privatização do
setor produtivo estatal, uma das faces da “Reforma do Estado” ocorrida ao longo
da década de 1990. É dentro desse contexto que a descentralização assume uma
importância ímpar, como a outra face da “Reforma do Estado”, no sentido de
busca por relegitimação.
A pesquisa
“Despesas Públicas Por Funções 1996-1998”, do ibge,
consolida a estrutura das despesas públicas segundo os três níveis da
Administração Púbica e permite analisar a contribuição da União, Estados e
municípios para os investimentos públicos,[5]
além de fornecer indicadores sobre as despesas nos setores que correspondem aos
direitos dos cidadãos brasileiros, conforme expresso na Constituição Federal de
1988 (tabela 2).
Tabela 2
Despesas Públicas: Participação percentual das
despesas não-financeiras e despesas com capital (investimentos) nas despesas
totais de união, estados e municipios
Fonte: ibge:
Despesas Públicas por Funções 1996-1998.
Os dados acima
nos permitem destacar dois fenômenos. O primeiro, refere-se ao declínio das
despesas não-financeiras como parte das despesas da União, o que se traduz num
avanço das despesas financeiras, as quais incluem juros, amortizações e
inversões financeiras. Em 1998, esses itens das despesas financeiras
corresponderam a respectivamente 7.53%, 41.22% e 13.39% das despesas totais da
União. Portanto, a incapacidade de sustentar investimentos é decorrente do
crescente comprometimento do Governo Federal com a dívida pública. Nos níveis
estaduais e municipais, há maior controle sobre o processo de endividamento,
inclusive por parte da União que, até a edição da Lei de Responsabilidade
Fiscal em maio de 2000, vinha assumindo parte das dívidas das instâncias
subnacionais de governo, uma vez que era a avalista, quando não a credora,
daquelas dívidas. De todo modo, causa preocupação a trajetória ascendente do
comprometimento do dispêndio público com as despesas relacionadas ao
endividamento do Estado brasileiro, particularmente da União.
O segundo
fenômeno a ser destacado refere-se ao ‘ciclo político’ do gasto público. O
maior percentual de investimento municipal foi observado em 1996, ano de
eleições de prefeitos. Quanto aos estados, o maior percentual de despesas com
investimentos ocorreu justamente em 1998, ano de eleições de governadores. Os
‘investimentos eleitoreiros’ poderão ser limitados após a vigência da Lei de
Responsabilidade Fiscal, dado o impedimento de comprometer despesas que não
podem ser pagas no mesmo mandato ou sem reserva de receitas para enfrentar o
fluxo de despesas que ficarem para outro mandato governamental. De todo modo, a
evidência do “ciclo político” indica que as eleições constituem poderoso
instrumento de alocação da despesa pública em favor de investimentos que, mesmo
sem informações sobre a natureza deles, supõe-se que atendam a demandas da
população.
O maior
comprometimento das despesas da União com a dívida e sua incapacidade de manter
níveis de investimentos são percebidos como impactos da globalização
financeira, traduzida pelo aumento dos investimentos externos diretos e,
principalmente, pelos fluxos de capitais especulativos, aplicados em mercados
voláteis. O difícil enfrentamento na esfera nacional desse fenômeno
internacional torna o setor público mais vulnerável, enfrentando crises de
legitimidade no âmbito nacional. Cresce, portanto, a tendência de transferir
aos níveis subnacionais de governo antigos compromissos, em particular, aqueles
que se referem a direitos já conquistados pelos cidadãos e que estão expressos
na Constituição Federal. As tabelas 3 e 4 apresentam os gastos públicos segundo
níveis de governo em setores selecionados, aqueles correspondentes aos direitos
dos cidadãos.
Tabela 3
Despesas públicas: participação
percentual de setores selecionados nas despesas da União, dos estados e
municípios (em %)
Fonte: ibge:
Despesas Públicas por Funções 1996-1998.
Tabela 4
Despesas públicas: participação percentual de cada
nível de governo na despesa total do poder público em setores selecionados (em
%)
Fonte: ibge:
Despesas Públicas por Funções 1996-1998.
Habitação,
saúde e educação são direitos sociais, conforme disposto no artigo 6º da
Constituição Federal. Desenvolvimento urbano e saneamento foram incluídos por
constituírem setores nos quais o gasto público é fundamental para permitir
melhores condições de vida e terem impacto positivo no cálculo do Índice de
Desenvolvimento Humano. O setor proteção social inclui os subsetores trabalho,
assistência social e previdência social, todos são direitos sociais. No setor
Ordem e Segurança Pública, estão incluídos subsetores correspondentes a
direitos civis, casos do policiamento militar, da defesa civil e do judiciário.
Conforme indicam os dados, a União compromete
percentuais significativos de suas despesas com os setores relativos a proteção
social e ordem e segurança pública. O primeiro refere-se a responsabilidade
tipicamente do governo federal, conforme expresso na Constituição Federal, por
incluir a previdência social, item mais significativo das despesas
não-financeiras dos governos urbi et orbi.[6]
Dos gastos totais efetuados nesse setor, a União contribui com mais de 75%. Já
o segundo, refere-se a um setor da competência principal dos governos
estaduais, os quais alocam pelo menos 70% dos gastos nesse setor dado os
impactos do judiciário e do policiamento militar. Além desses dois setores, a
União é responsável pela alocação de parcela importante de seu orçamento nos
setores de saúde e educação, mas numa proporção menos significativa em relação
àqueles dois setores anteriormente mencionados.
Na esfera dos
governos estaduais, como na União, o setor proteção social é o principal
comprometimento das despesas estaduais, ainda que sua participação nas despesas
totais do setor não alcancem 20%. O segundo setor mais importante na alocação
dos gastos estaduais é o de educação, em cujo gasto total, os estados respondem
por cerca de 55%, a União com cerca de 30% e os municípios com apenas de 13 a
17%. Apesar do claro predomínio da esfera estadual, é significativa a elevação
da participação dos governos municipais em educação. Além desses dois setores,
os governos estaduais são os principais responsáveis pelos gastos em habitação.
Os Estados são responsáveis por mais de 50% dos dispêndios públicos nesse
setor, observando-se uma participação declinante da União e, inversamente, um
aumento da participação dos gastos municipais, os quais já correspondem a um
quarto dos gastos em habitação. Pode-se inferir desse resultado que os
municípios devam estar assumindo novas responsabilidades no atendimento de
demandas que representam direitos dos cidadãos em face da retração dos dois
níveis governamentais superiores.
Entre os
governos municipais, os maiores comprometimentos das despesas referem-se aos
setores saúde e educação. Trata-se dos dois setores nos quais houve maior
avanço no processo de descentralização na prestação dos serviços, com a União
alocando de 2 a 4% do seu orçamento global nesses setores. Apesar de
percentuais baixos, o dispêndio do governo federal na saúde corresponde a mais
de 50% do gasto no setor, sendo, portanto, seu principal financiador. No setor
da educação, são os governos estaduais que financiam mais de 50% dos gastos
públicos, ficando a União responsável por algo como 30%.
Ainda no que tange
aos municípios, cabe destacar a trajetória ascendente da participação do setor
proteção social nos gastos públicos. Apesar dos municípios financiarem apenas
cerca de 3% dos recursos totais do setor, esses valores vêm crescendo e
consumindo uma parcela também crescente do orçamento municipal em função da
elevação das despesas com o subsetor assistência social.
Os governos
municipais alocam parcelas significativas, porém menores que nos setores acima
mencionados, em desenvolvimento urbano e saneamento. Em ambos, houve redução
dos percentuais em relação às despesas totais dos Municípios. No entanto,
correspondem claramente a responsabilidades municipais, dado que as prefeituras
participam com valores superiores a 60% dos gastos totais nesses setores. Nos dois
casos, os governos estaduais aumentaram significativamente sua participação no
financiamento, verificando-se uma estagnação no financiamento da União. Esse
crescente financiamento na esfera estadual pode estar relacionado com o
anteriormente aludido ‘ciclo político’, dado que 1998 foi ano de eleições para
governadores. De todo modo, o financiamento decrescente em saneamento, cujos
investimentos estão praticamente paralisados, pode estar relacionado com os
impasses sobre a que esfera de governo cabe a responsabilidade de regular o
setor: Os estados, como já vinham fazendo através de empresas estatais, ou aos
municípios, em conformidade com a autonomia municipal conquistada em 1988?
Cabe finalizar,
destacando o aumento da contribuição dos municípios em quase todos os setores
considerados. Apenas naqueles dois onde o financiamento era responsabilidade
dos governos municipais, desenvolvimento urbano e saneamento, houve diminuição
da contribuição dos municípios. Nos demais, houve transferência de responsabilidade
no financiamento para os governos municipais, num processo de descentralização
claramente definido. Esse aumento de encargos na esfera dos governos locais
suscita grande preocupação quanto à responsabilidade dos executivos municipais
em assumirem novas funções, gerirem maiores orçamentos, mantendo, de um lado,
comportamento fiscalmente responsável, e, de outro, atendendo a demandas
crescentes em respeito aos direitos dos cidadãos.
2. Controle externo
do Estado
O
processo de transferência de responsabilidades desde a União até os governos
estaduais e, principalmente, municipais, vem sendo acompanhado de novos e
maiores desafios no que respeita ao controle do poder público. Apesar de o
controle interno da administração pública ser essencial, até para auxiliar as
atividades de controle externo, é nestas últimas que existe a possibilidade de um controle mais isento, por não
estarem vinculadas à mesma esfera de poder da entidade investigada.
Entre as formas
de controle externo das unidades administrativas dos vários entes federativos
brasileiros, encontram-se: i) o controle parlamentar direto; ii) o controle
pelos Tribunais de Contas; iii) o controle pelo Poder Judiciário; iv) o
controle pelo Ministério Público, que merecerá atenção especial neste estudo; v)
o controle social, isto é, efetivado diretamente pelos cidadãos e entidades
coletivas.
2.1 O controle
parlamentar direto
O
controle parlamentar direto é o que existe, por exemplo, quando o Poder
Legislativo (na esfera federal, o Congresso) julga anualmente as contas
prestadas pelo Chefe do Poder Executivo (na esfera federal, o Presidente da
República), e aprecia os relatórios sobre a execução dos programas de governo.
Apesar de o Poder Legislativo ter uma competência geral para fiscalizar
qualquer ato da Administração Pública, direta ou indireta, tais atos de
fiscalização acabam se restringindo ao julgamento anual das contas do Chefe do
Executivo (pois que este encargo é claro no texto constitucional), que em regra
assume caráter mais político do que técnico, e às investigações eventuais
promovidas por Comissões Parlamentares de Inquérito, com o objetivo de apurar
fato determinado, e não de investigar rotineiramente (isto é independentemente
de provocação ou notícia de irregularidade).
2.2 O controle exercido
pelos Tribunais de Contas
Cabe
na verdade aos Tribunais de Contas a investigação quotidiana sobre o emprego dos recursos públicos
pela grande maioria das unidades administrativas e por quaisquer particulares.
Com exceção das contas pessoais do Chefe do Poder Executivo e das contas do
Presidente do Poder Legislativo, que são julgadas pelo plenário do Órgão
Legislativo competente, todas as demais contas acerca da aplicação de recursos
públicos por unidades administrativas da administração direta e indireta, bem
como por cidadãos e entidades privadas, são julgadas pelas Cortes de Contas,
sem qualquer interferência do Poder Legislativo no processo decisório. Assim,
por exemplo, se o Tribunal de Contas da União (tcu)
reprova as contas apresentadas pelo Ministério da Educação, não cabe ao Poder
Legislativo modificar tal decisão, pois não dispõe de tal competência.
O julgamento
exercido pelas Cortes de Contas abrange os aspectos contábil, financeiro,
orçamentário, patrimonial e operacional. Controle
contábil é o que se
materializa sobre o registro administrativo (escrituração contábil)
de todas as operações de natureza orçamentária, financeira e patrimonial,
durante o exercício financeiro. É esse registro que possibilita à administração
tomar decisões estratégicas sem comprometer suas receitas e elaborar sua
prestação de contas. Controle financeiro é o que se exerce sobre a movimentação
financeira realizada
no exercício, englobando a receita e a despesa orçamentárias, bem como os
recebimentos e pagamentos de natureza extra-orçamentária, conjugados com os
saldos em espécie (positivos ou negativos) provenientes do exercício anterior,
e os que se transferem para o exercício seguinte. Controle
orçamentário é o que
diz respeito à verificação da obediência ao princípio da
legalidade orçamentária,
pois em regra as despesas públicas só podem ser efetuadas se legalmente
autorizadas. Já o controle patrimonial diz respeito à averiguação da guarda e
administração dos bens (especialmente os de caráter permanente) que compõem o
patrimônio público e integram o balanço patrimonial da entidade administrativa
fiscalizada (Fernandes, 1995: 199-200).
Dentre os
controles exercidos pelos Tribunais de Contas, todavia, merece destaque o controle
operacional, inovação
introduzida pela Constituição Federal de 1988, e que tem como objetivos: i)
analisar o planejamento, a organização e os sistemas internos de controle
administrativo; ii) avaliar a eficiência e a economicidade com que são
utilizados os recursos humanos, materiais e financeiros; iii) avaliar o
resultado das operações realizadas em relação aos objetivos pretendidos. O
controle operacional representa um salto de qualidade na fiscalização das
atividades administrativas, pois que as outras formas de controle em regra são
exercitadas a posteriori (depois
que os atos já foram praticados) e têm caráter meramente formal, limitando-se a
verificar se os procedimentos da administração foram praticados de acordo com
as normas da contabilidade orçamentária, financeira e patrimonial. O controle
operacional vem justamente atender a uma maior demanda social por eficiência
administrativa, pois não só possibilita um controle da administração pública durante a execução dos programas de governo,
como também possibilita que haja um controle substancial sobre tal execução,
sempre que ela estiver descumprindo as metas ou a ordem de prioridades
estabelecidas nas leis orçamentárias (Fernandes, 1995: 200-201). Por exemplo,
cabe aos Tribunais de Contas investigar se a União está aplicando anualmente no
mínimo 18%, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, 25% da receita
resultante de impostos (compreendida a resultante de transferências) na
manutenção e desenvolvimento do ensino (Constitução Federal, 1988: art. 212).
Não raro as
Cortes de Contas têm rejeitado a prestação de contas de inúmeras unidades
administrativas, seja pela falta de um sistema de controle interno apropriado,
seja pela utilização de recursos públicos de maneira indevida, como no caso do
superfaturamento de obras e serviços, ou no caso de sua execução com baixa
qualidade. O Controle operacional, todavia, muitas vezes não aparece nas
decisões dos Tribunais de Contas, pois é feito em boa parte pela equipe técnica
das Cortes de Contas (engenheiros, assessores jurídicos, contadores, economistas,
administradores e outros profissionais), e durante a execução dos projetos
administrativos. Sendo as irregularidades sanadas, acabam não sendo
consideradas no momento posterior em que as contas são julgadas.
Assumem os
Tribunais de Contas, portanto, importante papel no controle da administração
pública, mormente no que tange à fiscalização da aplicação de recursos em
políticas públicas que efetivam os direitos do cidadão. No caso de recursos que
são repassados pela União às demais esferas federativas em áreas como
assistência social, saúde e educação, além de outros, repassados por convênio,
o Tribunal de Contas da União tem a atribuição de fiscalizar, em regra, o
repasse dos recursos pelo Órgão competente da União; os Tribunais de Contas dos
Estados ou municípios da respectiva unidade que recebeu os recursos são
responsáveis pela fiscalização dos atos de gestão dos recursos repassados
(Fernandes, 1999: 79-107).
De se lembrar
ainda que cabe aos Tribunais de Contas a fiscalização do cumprimento, em todos
os níveis federativos, das normas de gestão de recursos previstas na recente
lei de responsabilidade fiscal, que prevêem, por exemplo, limites para a
realização de operações de crédito, despesas de pessoal, dívidas consolidadas e
mobiliárias, bem como para a destinação de recursos obtidos com a alienação de
ativos, em relação aos diversos órgãos dos três poderes e ao Ministério
Público. Um dos objetivos maiores da lei de responsabilidade fiscal é
justamente impedir o descontrole nos gastos do poder público e possibilitar a
existência de recursos públicos para que sejam implementadas as políticas
públicas que efetivam os direitos do cidadão. Esse objetivo, portanto, passa a
ser fiscalizado pelos Tribunais de Contas.
A importância
dos Tribunais de Contas é tamanha que hoje parte da doutrina os reconhece como
órgãos constitucionais autônomos (Medauar, 2002: 473; Meirelles, 2002:
670; Moreira Neto,
2001: 11-22; Brito, 2002: 177-187), isto é, não vinculados a nenhum dos três
poderes tradicionais, uma vez que:
·
Sua
organização e suas funções têm sede constitucional, sendo muitas destas
exercidas somente pelo Tribunal, independentemente da atuação do Poder
Legislativo;
·
Possuem
autonomia administrativa em relação aos demais Poderes, por terem quadro
próprio de pessoal e as atribuições de autonomia administrativa que são
conferidas aos Tribunais, como eleger seus órgãos diretivos; elaborar seus
regimentos internos, organizando as funções de seus órgãos e serviços
administrativos; velar pelo exercício da atividade correicional respectiva;
prover, por concurso público, os cargos necessários ao exercício de suas
funções. (Constitução Federal, 1988: arts. 73 e 96, c/c art. 75);
·
Seus
membros têm independência funcional em relação a qualquer autoridade pública,
uma vez que têm as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e
vantagens dos membros do Poder Judiciário (Constitução Federal, 1988: art. 73 §
3º, c/c art. 75);
·
A
Constituição não fica expressamente sua autonomia financeira, isto é, a
capacidade de elaborar a proposta orçamentária para seus serviços e o poder de
gerenciar/aplicar da melhor forma os recursos públicos que lhe são conferidos,
mas ela está garantida em parte na lei orgânica do tcu, quanto à gestão dos recursos pelo Presidente da Corte;
·
As
decisões das Cortes de Contas são definitivas, com relação às avaliações sobre
a gestão financeira, orçamentária, patrimonial, contábil e operacional do Poder
Público. Tais decisões só podem ser modificadas, em regra, pelas próprias
Cortes que as proferiram. O Poder Judiciário só pode interferir em casos
excepcionais, para sanar ilegalidades manifestas e assegurar o respeito aos
direitos subjetivos das pessoas investigadas (como o direito à ampla defesa);
·
As
Cortes de Contas têm competência constitucional para aplicar aos responsáveis
sanções como ressarcimento integral do prejuízo causado ao patrimônio público,
bem como multa proporcional ao dano (Constitução Federal, 1988: art. 71, viii e § 3º).
Entendemos,
contudo, que o fato de serem autônomos os Tribunais de Contas não é
incompatível com a integração de tais Cortes ao Poder Legislativo, a uma, pois
as normas constitucionais sobre tais Cortes estão junto às demais normas que
regem o Poder Legislativo; a duas, pois a Constituição prevê tanto para o Poder
Legislativo quanto para os Tribunais de Contas a competência de julgar
as contas da
Administração Pública, todavia atribuindo para tais Órgãos espectros de análise
diferentes, no que tange às contas pessoais do Chefe do Executivo ou às contas
das entidades administrativas. Além disso, em ambos os julgamentos haverá um
juízo de legitimidade, isto é, se a gestão administrativa foi realizada em prol
da sociedade, tendo como parâmetros a Constituição, as leis e os orçamentos.
Esse juízo de legitimidade, em uma democracia, como se sabe, está intimamente
ligado ao povo, que é representado pelo Legislativo. Por isso, não é demérito
nenhum para os Tribunais de Contas que façam parte do Poder Legislativo, mas
antes essa é uma afirmação que pode oxigenar a imagem do Poder Legislativo
junto à sociedade. Para que isso seja possível, todavia, deve-se reconhecer e
aprimorar a autonomia institucional das Cortes de Contas, para que possam
desempenhar bem suas funções de controle externo de eficiência da administração
pública.
Nesse sentido,
um complicador para a boa atuação dos Tribunais de Contas tem sido a indicação
‘política’ de seus membros. Dois terços dos membros de tais Cortes são
escolhidos pelo Poder Legislativo (na esfera federal, o Congresso Nacional), e
um terço pelo Poder Executivo, com aprovação do Legislativo (na esfera federal,
o Senado). Apesar de a Constituição Federal exigir qualificação técnica
(‘notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de
administração pública’), experiência (‘mais de dez anos de exercício de função
ou de efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos mencionados’),
idoneidade moral e reputação ilibada como requisitos a guiar a escolha dos
julgadores de contas, em muitos casos, as nomeações têm sido motivadas por
interesses político-partidários, e não pela qualificação do nomeado, o que tem
prejudicado uma atuação mais competente e isenta na cúpula dos Tribunais de
Contas.[7]
Embora o corpo técnico de tais Cortes faça em regra a sua parte, nem sempre o
que ele recomenda é considerado pelos julgadores de contas, que algumas vezes
decidem de acordo com os interesses partidários do Chefe do Executivo ou de
grupos na Casa Legislativa, pois que estes dois órgãos fazem as nomeações dos
membros de tais Cortes.[8]
Assim,
eventualmente as Contas do Governador ou as Contas de Prefeitos acabam sendo
aprovadas em face de seu alinhamento partidário, e não necessariamente em face
de seu merecimento. Acreditamos, portanto, que mesmo as suas decisões sendo em
maioria imparciais e fundamentadas tecnicamente, há algumas delas que não têm
qualquer substância, a não ser a retórica que disfarça a sua contaminação por
interesses de partidos e grupos privados, e isso é bastante para indicar a
necessidade de que o atual sistema de nomeação para as Cortes de Contas seja
modificado, adotando-se o sistema de nomeação mediante concurso público de
provas e títulos, o mesmo adotado para o provimento dos cargos iniciais das
carreiras do Poder Judiciário e do Ministério Público. Dessa forma, poderia
haver maior objetividade na seleção de ‘julgadores de contas’ com qualificação
técnica e experiência comprovadas, além de reputação ilibada.
2.3 O controle
exercido pelo Poder Judiciário
Sem
dúvida, o controle exercido pelo Poder Judiciário é um dos mais importantes em
nosso sistema constitucional. Somente o judiciário, mediante o devido processo
legal, pode determinar a prisão de algum administrador público, a suspensão de
seus direitos políticos (em regra) ou a perda de seus bens. Além disso, cabe ao
judiciário a última palavra sobre a correta interpretação das leis e da
Constituição, e essa competência pressupõe inclusive o poder de anular atos
administrativos ilegais ou inconstitucionais, principalmente aqueles que
desrespeitam os direitos dos cidadãos, ou que são lesivos ao patrimônio
público, ao meio ambiente e a outros bens de interesse difuso ou coletivo.
Todavia, o Poder Judiciário, em regra, somente atua por provocação. Não se
trata de uma regra que o engessa, ou que esvazia o seu poder, mas antes, de uma
regra que o homenageia, pois garante que ele seja exercido com o máximo de
imparcialidade, uma vez que a tarefa de acusar e defender são atribuídas a
partes diferentes. Em face disso, porém, entendemos mais apropriado analisar o
controle judicial da administração quando tratarmos do controle exercido pelo
Ministério Público, pelos cidadãos e entidades civis.
Cabe lembrar que
o controle do judiciário não pode se imiscuir no exame do mérito
administrativo, isto é, na valoração que a administração pública faz em
determinados atos administrativos (chamados de discricionários), com relação
aos motivos para sua realização e com relação ao seu conteúdo, tendo em vista a
conveniência e a oportunidade de realização do ato. Felizmente o princípio da
motivação, que vincula toda a administração pública brasileira, permite que se
faça o controle dos abusos cometidos, pois se os motivos declarados são
inexistentes, o ato deixa de ter fundamento e pode ser anulado. Outros limites
à discricionariedade do ato administrativo, além da Constituição, das leis e
demais normas administrativas, são: i) o princípio da proporcionalidade (que
abrange a razoabilidade), segundo o qual o ato: deve guardar adequação entre os
motivos, os meios e a finalidade pública do ato, impor a menor restrição
possível aos cidadãos, e compensar a restrição com o benefício social
alcançado; ii) o princípio da eficiência, que impõe a adoção de padrões
técnicos e de racionalização na organização administrativa, na atuação dos agentes
e na utilização dos recursos e métodos de trabalho pela administração pública,
tendo em vista a otimização da relação custo-benefício nos serviços prestados
socialmente.
Acreditamos que
quase todos esses limites podem ser controlados pelo Poder Judiciário. No caso
do princípio da eficiência, o controle externo deve ser feito preferencialmente
pelo Tribunal de Contas competente, quando falhar o controle interno da
administração. Somente quando falharem ambos, entendemos que pode o judiciário
intervir, não para realizar propriamente o ‘controle de eficiência’ da
administração, mas para determinar aos órgãos competentes que exerçam suas
atribuições dentro dos princípios da proporcionalidade, da motivação, da
publicidade, da imparcialidade, da moralidade e da legalidade, ao invés de se
omitirem. Assim, o único ‘controle de eficiência’ que pode ser realizado pelo
Poder Judiciário é aquele que, por anulação ou correção, recai sobre os atos
administrativos que agridem as regras e princípios jurídicos da Administração
Pública, sendo em essência um controle de legalidade e/ou de
constitucionalidade. As demais ponderações sobre a eficiência administrativa,
que não decorrem diretamente do ordenamento jurídico mas antes da observação e
aprimoramento contínuos da experiência quotidiana administrativa, devem ser
feitas pelos controles interno e externo mencionados.
2.4 O controle
exercido pelo Ministério Público
A
atuação do Ministério Público deve ser ressaltada em relação às demais formas
de controle externo, pelo fato de que, além de realizar atos próprios de
controle externo da administração pública, ele também tem participação
importante (seja ela prévia, concomitante ou posterior, conforme veremos) em
cada uma das outras formas de controle, e consequentemente na fiscalização da
execução de políticas públicas.
A Constituição
de 1988, elaborada no bojo do processo de redemocratização brasileiro, conferiu
autonomia para a Instituição e independência de atuação para seus membros em
graus nunca vistos sob as Constituições brasileiras anteriores. Desde então, o
Ministério Público tem exercido inúmeras atribuições em defesa da sociedade,
mesmo que para isso tenha que contrariar os interesses de autoridades públicas.
Assim, o impedimento (impeachment) do ex-presidente Fernando Collor,
decretado pelo Senado Federal em 1992, em decisão histórica, foi possível
graças aos dados apurados nas investigações promovidas pelo Ministério Público.
Já durante os dois governos do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1994-1998
e 1999-2002), a atuação do mp
possibilitou o afastamento de senadores e deputados (no âmbito de suas
respectivas Casas Legislativas) representantes de oligarquias tradicionais e
aparentemente invencíveis, com as quais o Presidente havia se coligado para
garantir ‘condições de governabilidade’, isto é, uma base parlamentar que lhe
permitisse aprovar os projetos de lei e de reforma constitucional defendidos
pelo governo.
Nessa linha,
podemos citar: i) a cassação do mandato do Senador Luís Estevão, tendo em vista
notícias de que estaria envolvido no desvio de verbas públicas (169 milhões de
reais) para construção da sede do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. O
esquema foi desvendado pelo mp e
pela cpi instituída para
investigar o Poder Judiciário; ii) a renúncia do Senador Jader Barbalho ao seu
mandato, em face das notícias de que havia participado do desvio de verbas
públicas (2,5 milhões de reais) da antiga Superintendência para Desenvolvimento
da Amazônia (Sudam), na época em que havia sido governador do Estado do Pará;
iii) a renúncia do Senador Antônio Carlos Magalhães ao seu mandato, em face das
notícias de que o Senador havia violado o sigilo da votação secreta que decidiu
pela cassação do Senador Luís Estevão; iv) a cassação do mandato do Deputado Hildebrando
Aciolly, após ser apurado pelo mp
e pela cpi criada para investigar
o narcotráfico que o parlamentar estava envolvido com o tráfico ilícito de
entorpecentes e com o assassinato cruel de pessoas, em seu Estado de origem, o
Acre. Esses são apenas alguns dos casos que explicam por que atualmente o
Ministério Público trata-se do instrumento de maior credibilidade a respeito do
controle do poder público.
O Ministério
Público não pode ser enquadrado em nenhum dos três poderes convencionais. A
autonomia institucional do Ministério Público está expressa na Constituição
Federal (art. 127 §§ 2º, 3º, e art. 168): é funcional, administrativa e
financeira.[9] O Ministério Público (que
existe na União e nos Estados) é órgão constitucional permanente, essencial à
função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica (pois
que ele é o fiscal da execução das leis e da obediência à Constituição) do
regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses indisponíveis,
referentes, por exemplo, aos direitos assegurados na Constituição, sejam eles
individuais e/ou sociais, como o direito à vida, à liberdade, à educação e à
saúde, sejam eles difusos, como os relativos ao patrimônio público, ao meio
ambiente e ao patrimônio cultural.
Além disso, pode
promover também a defesa de interesses disponíveis, como os direitos de
categorias profissionais e de consumidores, quando houver extraordinária
abrangência ou dispersão dos lesados, ou quando for necessária para assegurar o
funcionamento de todo um sistema jurídico, econômico ou social (Mazzilli, 2001:
152). Cabe ao mp a tarefa de zelar
pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública
aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias à
sua garantia (Constitução Federal, 1988: art. 129, ii,). O mp
compõe-se de promotores e procuradores aprovados em concursos públicos de
provas e títulos (os quais são acompanhados pela Ordem dos Advogados do
Brasil), o que nos faz supor que tais agentes são profissionais altamente
qualificados.
Os membros do mp detêm independência funcional para
agir sem qualquer tipo de influência externa. Isto é, eles só se sujeitam ao
controle de órgãos superiores e diretivos da instituição, e mesmo assim somente
na sua conduta administrativa ao longo da carreira (como nos casos
de solução de um conflito de atribuições, imposição de medidas disciplinares,
revisão de uma promoção de arquivamento de inquérito civil ou de inquérito
policial), ou nos seus atos pessoais que afrontem a probidade e os demais
deveres legais e constitucionais aos quais estão vinculados. De resto, os
membros do Ministério Público atuam com total liberdade funcional, e não estão
sujeitos a qualquer subordinação hierárquica ou supervisão de qualquer dos
órgãos estatais. Essa independência funcional no exercício das funções do mp, por sua vez, é assegurada por um
sistema de garantias, vedações e prerrogativas para seus membros, que é similar
ao estabelecido para garantir a independência funcional dos juízes (Mazzilli,
2001: 156-157; 189-190).[10]
Para a defesa
dos interesses e direitos que lhe cabe promover, o Ministério Público pode
tomar inúmeras providências, e que importam em controle externo das entidades
da administração pública direta, indireta e de outros entes privados que
prestam serviços públicos ou de relevância pública. Sempre que o membro do mp tiver notícia de qualquer ilegalidade
ou abuso praticado por tais entidades, ou até pelos cidadãos, mas em prejuízo
dos interesses sociais, deve a princípio instaurar procedimento administrativo
para apurar o fato, tendo poderes de fazer requisições, expedir notificações e
intimações, com vistas a instruir o feito. A falta injustificada e o
retardamento indevido do cumprimento das requisições do mp implicarão a responsabilidade de quem lhe der causa.[11]
Na tentativa de
promover a correção da ilegalidade sem a provocação do Poder Judiciário, o mp poderá expedir recomendações, visando
à cessação das ilegalidades e à correção das condutas, fixando prazo razoável
para a adoção das providências cabíveis. Além disso, o Ministério Público
poderá promover o ajustamento da conduta de tais entidades à lei e à
Constituição, mediante a assinatura de um termo/acordo com combinações
específicas, o qual tem eficácia de título executivo extrajudicial (Lei
7347/85: art. 5º § 6º). Cabe apenas lembrar que a assinatura do acordo não
impede a promoção de ação judicial visando à reparação dos danos causados (caso
esta não seja prevista pelo próprio termo), uma vez que o termo visa a regular
a conduta a partir
do momento de sua assinatura.
O Ministério
Público tem atuação importante junto às demais formas de controle externo da
administração pública. Assim, por exemplo, quando não consegue fazer com que
entidades públicas, privadas ou até mesmo pessoas deixem de cometer
ilegalidades, deve promover junto ao Poder Judiciário ações
civis públicas para a
defesa de interesses difusos, coletivos ou mesmo de interesses individuais
homogêneos (como no caso de vários consumidores lesados pelo fornecedor de
algum produto).
Além disso,
compete constitucionalmente ao Ministério Público promover privativamente a ação
penal pública junto
ao Poder Judiciário, necessária para se apurar a prática da maioria absoluta
dos crimes, tendo em vista que em nosso direito poucos crimes são julgados
mediante iniciativa da pessoa lesada ou de seu representante legal. Assim, em
regra, se durante o controle externo da administração (pelo Parlamento, pelos
Tribunais de Contas, pelo mp e
pelos cidadãos e entidades civis) apura-se a prática de algum crime, os
supostos responsáveis serão em regra processados na esfera penal pelo
Ministério Público,
junto ao Poder Judiciário. Para melhor desempenhar suas atribuições de órgão de
acusação, o mp tem poderes de
requisitar à autoridade policial a instauração de inquérito policial, para
coleta de provas e apuração de responsabilidades, podendo também requisitar
diligências investigatórias específicas, acompanhar a produção de provas ou
coletar provas independentemente da atuação policial (Lei 8625/93: art. 7º, ii, lc 75/93; art. 80).
Dentre os crimes
a serem investigados, encontram-se os praticados contra a administração
pública, como o peculato (apropriação ou desvio de bens públicos) e a aplicação
irregular de verbas públicas, os recentes crimes contra as finanças públicas,
como por exemplo os de realizar operações de crédito ou ordenar despesas sem
autorização legislativa, ou acima dos limites fixados em lei. Assim, contribui
o mp com o trabalho dos Tribunais
de Contas na fiscalização da gestão responsável dos recursos públicos por parte
dos administradores públicos, ainda que sua participação fique mais adstrita à
esfera criminal neste caso.
Cabe ainda ao mp promover judicialmente a ação
de improbidade administrativa
(que não se confunde com a ação penal), visando à decretação da perda do cargo
da autoridade pública que tenha causado dano ao erário (cujo ressarcimento
integral também deverá ser promovido na ação), enriquecendo-se ilicitamente ou
não, ou que tenha descumprido os princípios da administração pública.[12]
O Ministério
Público deverá promover ações junto à justiça eleitoral, visando à impugnação
do registro de candidatos a cargo eletivo que: i) venham a concorrer no período
de cinco anos a contar da decisão irrecorrível que rejeitou as suas contas
relativas ao exercício de cargos ou funções públicas. Essa decisão em regra
cabe aos Tribunais de Contas, e no caso das contas do Chefe do Executivo, cabe
ao Poder Legislativo; ii) tenham sido condenados criminalmente, por sentença
transitada em julgado, pela prática de crimes contra a economia popular, a fé
pública, a administração pública, o patrimônio público e o mercado financeiro;
crime de tráfico de entorpecentes e crimes eleitorais; iii) tenham cometido
abuso de poder político ou de poder econômico, durante campanha eleitoral ou
com finalidades eleitorais, conforme decidido por sentença transitado em
julgado proferida pela justiça eleitoral (lc
64/90: art. 1º, i, “d” e “h”).
O Ministério
Público atua ainda promovendo ações de inconstitucionalidade contra atos
normativos do Executivo e leis que contrariam a Constituição; emitindo
pareceres em processos de habeas corpus,[13]
de habeas data,[14]
de mandado de segurança,[15] e
em processos onde há interesse de crianças, adolescentes e outros incapazes.
Considerando-se
o controle externo exercido pelo Poder Legislativo sobre a Administração
Pública, especificamente no que tange às Comissões Parlamentares de Inquérito (cpi), não cabe ao mp participar ou intervir em seus
trabalhos, mas considerando que a tais comissões cabe apenas apurar fatos e não
aplicar punições, caberá ao órgão ministerial dar andamento às investigações
feitas no âmbito de tais comissões, uma vez que estas lhe devem remeter suas
conclusões para a promoção das medidas judiciais cabíveis, visando à
responsabilidade civil e criminal dos envolvidos nos casos que tenham sido
investigados (Constitução Federal, 1988:
art. 58, § 3º). Em outras palavras, competirá ao mp promover junto ao Poder Judiciário as ações para
ressarcimento dos danos causados ao erário público e para condenação penal dos
responsáveis investigados pelas cpi.
Lembre-se ainda que nada impede que as investigações sejam realizadas ao mesmo
tempo por tais Comissões e pelo mp,
de forma independente mas integrada.
Com relação ao
controle exercido pelos cidadãos e entidades da sociedade civil, sempre que os
órgãos públicos se negam a prestar informações aos cidadãos, acerca de questões
de seu interesse ou de interesse social, o mp
poderá intervir para corrigir o abuso. Caso um cidadão promova uma ação
popular, visando à
anulação de ato administrativo lesivo ao patrimônio público, ou no caso de uma
entidade pública ou de uma associação civil promover uma ação
civil pública, para a
defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, o mp deverá acompanhar o andamento do
processo, zelar pela sua boa condução, requerendo as medidas e as provas que
entender cabíveis, e se o cidadão ou a entidade desistir da ação, o mp deverá assumir a promoção ativa do
processo (Lei 7347/85: art. 5º § 1º, 3º; Lei 4717/65: arts. 7º § 1º, 9º).
Uma outra
iniciativa importante que pode ser promovida pelo Ministério Público no tocante
à fiscalização popular sobre os poderes públicos é a realização de audiências
públicas (Lei 8625/93: art. 27, par. único, iv),
por meio das quais são discutidas questões envolvendo os interesses da
comunidade de uma determinada região. De tais audiências participam os cidadãos
e entidades civis interessados; os membros do poder público; profissionais
qualificados nos assuntos a serem discutidos; membros de empresas e outras
entidades privadas com interesse no desenvolvimento de determinados projetos. O
mp pode assumir importante papel
na promoção de tais audiências, como um mediador, e ao mesmo tempo um fiscalizador
do cumprimento das leis. Acreditamos que tais audiências podem ser promovidas
também sobre questões referentes ao desenvolvimento urbano, com relação ao
plano diretor e aos orçamentos municipais.[16]
Ressalte-se que as audiências públicas podem ser também promovidas pelo Poder
Público ou pelas próprias comunidades interessadas, não
sendo necessária sempre a participação do mp. Como todavia cabe a ele ser o fiscal
da lei, a sua presença possibilita um maior cumprimento dela e da Constituição.
2.4.1 Críticas ao
sistema de nomeação do Chefe do Ministério Público
Os
membros do mp têm realmente se
destacado na defesa dos interesses maiores da sociedade. Todavia, uma crítica
deve ser feita ao sistema de nomeação do Chefe da Instituição, que depende de indicação
do Chefe do Poder Executivo. Na verdade, trata-se de um resquício do sistema
constitucional anterior, em que o mp acumulava
as funções próprias de Ministério Público (como as de defensor da sociedade e
fiscal da lei) com as funções de Advocacia de Estado. Assim, era compreensível
que naquele regime o Poder Executivo precisasse de alguém de sua confiança para
exercer o cargo. Isso todavia gerava uma atuação contraditória no seio da
Instituição, pois em caso de a sociedade ser vítima de abusos praticados pela
administração pública, um membro do mp deveria
processar a autoridade responsável, enquanto outro deveria defender o ato
praticado.
A Constituição
Federal de 1988 avançou ao ter separado as funções de defesa da sociedade e da
lei das funções de advocacia de Estado, atribuindo-as a Instituições distintas,
mas infelizmente manteve a nomeação do Chefe do Ministério Público vinculada à
escolha do Chefe do Poder Executivo. Críticas podem ser feitas ao atual
sistema, afinal de contas, em caso de o Chefe do Poder Executivo cometer algum
crime, quem promoverá a ação penal junto ao Poder Judiciário será justamente o
Chefe do Ministério Público. Em outras palavras: o ‘fiscalizado’ escolhe seu
‘fiscalizador’, o que realmente parece absurdo. Mas o atual sistema não é tão
ruim assim, pois nele o Chefe do Ministério Público é nomeado
para uma investidura por tempo certo
(dois anos), e não pode mais ser afastado do cargo por iniciativa unilateral do
Chefe do Poder Executivo, conforme dispunham as Constituições anteriores
(Sauwen Filho, 1999: 121-160). Para tanto, sempre necessitará de autorização da
maioria absoluta dos membros do Legislativo (Constitução Federal, 1988: art.
128 § 2°, 4°,).
Foi justamente o
sistema atual de nomeação e destituição não tão vinculado à vontade do
Executivo que permitiu que o primeiro Procurador-Geral da República sob o novo
sistema propusesse a única ação penal (por crime comum) de que se tem notícia
contra um Presidente da República em pleno exercício do cargo. Apesar de o
ex-Presidente Fernando Collor de Mello ter sido absolvido no processo movido
perante o Supremo Tribunal Federal, os fatos apurados pelo Ministério Público
ensejaram a decretação do impeachment do Presidente (perda do cargo por
crime de responsabilidade) pelo Senado Federal, conforme citado anteriormente.
Todavia, não se
pode negar que a escolha do Chefe do mp pelo
Chefe do Poder Executivo possibilita que ainda haja interferência política e
governamental na Chefia da Instituição, pois caberá à
pessoa nomeada
aceitar ou não tais interferências (Mazzilli, 2001: 119). Essas interferências
são ilegais, mas podem ser identificadas quando o Chefe do mp deixa de promover ações que
contrariam o governo ou seus aliados, tendo em vista sua possível recondução ao
cargo no futuro, ou até mesmo outras vantagens inomináveis.[17]
Para que
realmente fosse assegurada a autonomia funcional da Instituição ministerial,
seria necessário que se retirasse qualquer interferência do Poder Executivo
sobre a nomeação do Chefe do mp.
Além disso, a possibilidade de interferência política de grupos de pressão que
atuam no Congresso, bem como a possibilidade de distorção dos processos
eleitorais populares (como manipulação dos meios de comunicação), desaconselham
que tal nomeação fique a cargo do Poder Legislativo ou a cargo da população.
Assim, entendemos que a nomeação do Chefe do mp
deve caber exclusivamente aos membros da Instituição, por eleição
direta, posto que têm não só a formação técnica, mas também o conhecimento do
trabalho desenvolvido por seus colegas, ambos necessários para se escolher um
Chefe capaz, honesto e que seja atuante e comprometido com a missão da
Instituição.[18]
Embora a atuação
do Chefe do Ministério Público (seja na esfera federal, seja na esfera dos
Estados e do Distrito Federal) nem sempre tenha sido a mais correta, isso
todavia não retira o mérito das ações promovidas pelos vários membros da
Instituição, que não tendo qualquer vinculação com os poderes constituídos, têm
atuado em regra de forma capaz e independente, contribuindo de inúmeras formas
para o aperfeiçoamento das formas de controle exercidas sobre a administração
pública.
2.5 O controle
social da administração pública
Nosso
sistema jurídico prevê inúmeras formas de controle da administração pelo Poder
Judiciário, como resultado da participação da população, como no caso das ações
de habeas corpus, habeas data, e mandado de segurança (já
mencionadas). Merecem destaque, todavia: i) a ação popular, que pode ser promovida por qualquer
cidadão, visando a anular ato lesivo ao patrimônio público, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando
o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da
sucumbência (Constitução Federal, 1988:
art. 5º, lxxiii); ii) a ação
civil pública, que
pode ser promovida por qualquer associação civil, visando à proteção ao meio
ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, ou ao
patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, desde que
a associação esteja constituída há pelo menos um ano (requisito que pode ser
dispensado em casos de grande dano à sociedade ou de relevância do bem jurídico
a ser protegido) e tenha o objetivo da ação inserido em suas finalidades
institucionais (Lei 7347/85: art. 5º, caput e § 4).
Pode ainda a
sociedade participar do Controle que é exercido pelos Tribunais de Contas sobre
os administradores públicos, uma vez que é direito de qualquer cidadão, partido
político, associação ou sindicato denunciar irregularidades ou ilegalidades
perante tais Cortes (Constitução Federal, 1988: art. 74 § 2º c/c art. 75). Da
mesma forma, nada impede que os cidadãos e entidades civis interessadas levem
ao conhecimento do Poder Legislativo e/ou do mp
irregularidades/ilegalidades que estejam sendo praticadas por administradores
públicos, com vistas a provocar a atuação fiscalizatória de tais Instituições.
Destacaremos,
todavia, as formas de controle que são exercidas diretamente pelos cidadãos e
entidades civis sobre a administração pública, ou porque independem da atuação
de outros órgãos/instituições estatais (Poder Legislativo, Tribunais de Contas,
Poder Judiciário e Ministério Público), ou porque, deles dependendo, envolvem
processos decisórios a cargo da população.
Como exemplos de
controle popular existentes em nosso ordenamento jurídico, podemos citar o
direito de requerer junto aos órgãos públicos informações de interesse
particular ou geral (Constitução Federal,
1988: art. 5º, xxxiii); o
direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direito ou contra
ilegalidade ou abuso de poder, bem como a obtenção de certidões em repartições
públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse
pessoal, independentemente do pagamento de taxas (Constitução Federal, 1988: art.
5, xxxiv).
Tendo em vista o
mencionado processo, constatado na Federação Brasileira, de descentralização na
execução das políticas públicas referentes aos direitos da cidadania, o qual
resulta no aumento de responsabilidades das esferas locais de governo, é
necessário dar ênfase para a participação da população local em atividades de
planejamento, execução e fiscalização de tais políticas, justamente nas regiões
onde elas devem ser implementadas.
A necessidade de
participação da população no planejamento das ações do município foi
reconhecida expressamente pela Constituição Federal, quando reconheceu às
associações representativas da sociedade o direito de cooperarem com o
planejamento municipal, sendo tal participação preceito fundamental a ser adotado
em todas as Leis Orgânicas Municipais (Constitução Federal, 1988: art. 29). Além disso a gestão
democrática das esferas políticas locais foi desenvolvida pelo Estatuto da
Cidade, lei recente que estabelece diretrizes para a política de
desenvolvimento urbano, mediante a previsão dos seguintes instrumentos: i)
órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e
municipal; ii) debates, audiências e consultas públicas; iii) conferências
sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal;
iv) iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de
desenvolvimento urbano; v) realização de debates, audiências e consultas
públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias
e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara
Municipal; vi) obrigatória e significativa participação da população e de
associações representativas dos vários segmentos da comunidade nos organismos
gestores das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, de modo a garantir
o controle direto de suas atividades e o pleno exercício da cidadania; vii)
participação da população e de associações representativas dos vários segmentos
da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e
projetos de desenvolvimento urbano (Lei 10.257/2001: art. 2º, ii, arts. 43, 44 e 45).
Dentre tais
instrumentos, merece destaque o orçamento participativo, como uma nova forma de
planejar e executar as políticas públicas, combatendo-se os vícios do
patrimonialismo e do clientelismo. A esse respeito deve ser citada a
experiência da cidade de Porto Alegre, que tornou-se referência mundial, por
ter possibilitado um gestão eficaz e democrática dos recursos urbanos, e foi
escolhida pelas Nações Unidas com uma das quarenta inovações urbanas em todo o
mundo, para ser apresentada na Conferência Mundial das Nações Unidas sobre
Assentamentos Humanos (Habitat ii,
que ocorreu em Istambul, em junho de 1996). Não é sem motivo, portanto, que o
Banco Mundial desde 1993 tem divulgado e promovido o modelo de gestão urbana do
município, inclusive concedendo-lhe empréstimos. A revista Exame, por sua vez, em várias ocasiões já
elegeu Porto Alegre como a cidade brasileira com melhor qualidade de vida, com
base nos seguintes indicadores: alfabetização, matrículas no ensino básico e
secundário, qualidade do ensino superior e da pós-graduação, consumo per
capita, emprego,
mortalidade infantil, esperança de vida, número de leitos por hospital,
habitação, esgotos, aeroportos, auto-estradas, taxa de criminalidade,
restaurantes e clima (Santos, 2002: 460-461).
O orçamento
participativo de Porto Alegre baseia-se em três princípios básicos: i) todos os
cidadãos têm o direito de participar, sendo que as organizações comunitárias
não detém, a este respeito, pelo menos formalmente, status ou prerrogativas especiais; ii) a
participação é dirigida por uma combinação de regras de democracia direta e de
democracia representativa, e realiza-se através de instituições de
funcionamento regular cujo regimento interno é determinado pelos participantes;
iii) os recursos de investimento são distribuídos de acordo com um método
objetivo baseado em uma combinação de ‘critérios gerais’ –critérios
substantivos, estabelecidos pelas instituições participativas com vista a
definir prioridades– e de “critérios técnicos” –critérios de viabilidade
técnica ou econômica, definidos pelo Executivo, e normas jurídicas federais,
estaduais ou da própria cidade, cuja implementação cabe ao Executivo (Santos,
2002: 467).
O orçamento
participativo é essencial para uma melhor distribuição dos recursos públicos
pelas várias regiões da cidade, principalmente no que tange à realização de
obras e investimentos em infra-estrutura urbana, possibilitando uma execução
mais justa das políticas públicas de saneamento básico, de habitação e de
desenvolvimento urbano, bem como das de educação e de saúde, quando envolvem,
por exemplo, a construção de escolas, hospitais e postos de saúde.
Uma importante
iniciativa que tem possibilitado o controle popular sobre a execução de
políticas públicas, no que tange aos direitos de saúde e de educação, tem sido
a instituição de conselhos com participação da sociedade civil, para fiscalizar
a aplicação dos recursos públicos.[19]
Assim, em todos
os níveis da federação brasileira, devem existir Conselhos de Saúde, que são
órgãos colegiados, de caráter permanente e deliberativo, compostos por
representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e
usuários, e que atuam na formulação de estratégias e no controle da execução da
política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos
econômicos e financeiros, sendo suas decisões homologadas pelo chefe do poder
legalmente constituído em cada esfera de governo. A lei que institui os
Conselhos determina que a metade de seus membros seja constituída por ‘usuários
do sistema’, sendo a outra metade integrada pelos demais segmentos mencionados.
Assim, a sociedade tem participação significativa em tais órgãos. E uma outra
novidade interessante trazida pela lei foi a exigência da instituição de tais
Conselhos como uma das condições para que seja realizado o repasse de recursos
federais da saúde para os Municípios, Estados e Distrito Federal (Lei 8142/90:
art. 1§ 2, 4, art. 4, II).
No que tange à
política de educação, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
estabelece que cada sistema de ensino (federal, estadual e municipal) deverá
estabelecer a gestão democrática do ensino público na educação básica, onde
haja participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto
pedagógico da escola, e participação das comunidades escolar e local em
conselhos escolares ou equivalentes. Além disso, a Lei determina que os
sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação
básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e
administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito
financeiro público. Isso significa um importante avanço na gestão descentralizada
dos recursos na política de educação, pois garante que cada unidade escolar
terá autonomia para gerir seus recursos, e que isso será feito sob a
fiscalização das comunidades escolar e local.
Como exemplo
desse avanço em termos de gestão, deve ser citado o Programa Dinheiro Direto na
Escola (pdde), criado em 1995 pelo
Ministério da Educação. O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (fnde) repassa recursos federais
diretamente às unidades escolares estaduais e municipais do ensino fundamental,
com mais de 20 alunos matriculados. Esse repasse direto de recursos traz
autonomia e agilidade às escolas, eliminando a burocracia, garantindo o
funcionamento de suas decisões e favorecendo o exercício da cidadania, uma vez
que mobiliza a comunidade e promove o seu envolvimento nas atividades
escolares.[20]
Dentre desse
espírito de autonomia, uma das condições para o repasse dos recursos é a
criação de organizações representativas da comunidade, chamadas de “Unidades
Executoras” (uex), que são
associações civis sem fins lucrativos, responsáveis pela gestão planejada dos
recursos públicos recebidos, de acordo com as prioridades e o projeto
pedagógico da respectiva unidade de ensino.[21]
Os recursos são depositados diretamente na conta corrente da uex, que decide onde eles serão
aplicados e, posteriormente, presta contas da gestão dos recursos à Secretaria
de Educação do Município ou do Estado respectivo, que por sua vez faz a
prestação de contas ao fnde e ao
Tribunal de Contas correspondente.
O modelo de
gestão descentralizada e democrática tem mostrado resultados positivos, de
forma que Estados e municípios têm progressivamente implantado o repasse direto
de recursos para as unidades escolares estaduais e municipais, os quais são
então geridos pelas uex existentes.
É o que se observa, por exemplo, no Estado do Rio de Janeiro.
Podemos citar
ainda o controle social exercido sobre alguns programas específicos promovidos
no País, para efetivação do direito à educação: i) o Programa Nacional de Renda
Mínima Bolsa Escola; ii) o Programa Nacional de Alimentação Escolar; iii) o
Programa do Fundo Nacional de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e Valorização do Magistério.
O Programa
Nacional de Renda Mínima Bolsa Escola, criado pelo Governo Federal, em meados
de 2002 já tinha a adesão de 5,536 dos então 5,561 municípios existentes no
país, tendo como objetivo evitar a evasão escolar no ensino fundamental,
proporcionando uma “bolsa” mensal de R$ 15.00 (até o limite de R$ 45.00 por
família) para o estudante que tiver 85% de freqüência mínima às aulas. Uma das
condições para que o município participe do programa é a criação do “Conselho
de Controle Social”, que deve ter no mínimo a metade de seus membros não
vinculada à administração municipal, isto é, composta por membros da sociedade
civil. O conselho tem a função de acompanhar e avaliar a execução do programa,
aprovar a relação de famílias cadastradas pelo Poder Executivo Municipal e
estimular a participação comunitária em tal controle. Lembre-se que o programa
visa a evitar a evasão escolar, logo pressupõe a atuação integrada de
professores, diretores de escolas e pais de alunos, de forma a manter os alunos
na escola.
O Programa
Nacional de Alimentação Escolar repassa recursos federais para alimentar cerca
de 37 milhões de estudantes do ensino fundamental por dia, durante os 200 dias
do ano letivo (calendário escolar). Desde sua criação, em 1954, até 1993, o
Programa era gerenciado centralizadamente no Governo Federal. A partir de 1994,
houve a descentralização da execução do Programa com a celebração de convênios
com os Estados, df e municípios.
Estes atualmente recebem os recursos para a execução do programa diretamente do
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, desde que instituam um Conselho
de Alimentação Escolar, órgão colegiado composto por representantes dos Poderes
Executivo e Legislativo, dos professores, dos pais de alunos e de outros
segmentos da sociedade local, com competência de fiscalizar a aplicação dos
recursos. O cae analisa a
prestação de contas feita pela entidade executora, emitindo pareceres a
respeito, e anualmente envia um relatório acerca da execução do programa para o
fnde.[22]
Por sua vez, o
Programa de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério é
financiado por um Fundo (fundef),
instituído no âmbito de cada Estado (e do Distrito Federal), e constituído por
recursos pertencentes aos Estados, Distrito Federal e municípios (podendo haver
complementação por parte da União Federal), que são responsáveis por sua execução.
A Lei 9424/96 determina que no mínimo 60% desses recursos devem ser utilizados
na remuneração dos profissionais do magistério, técnicos das áreas de
administração ou direção escolar, supervisão, orientação educacional,
planejamento e inspeção escolar, em efetivo exercício no ensino fundamental
público. Com isso, a lei procura garantir uma melhoria na remuneração de tais
profissionais.[23] O restante dos recursos
do Fundo (máximo de 40%) deve ser aplicado em outras ações de manutenção e
desenvolvimento desse nível de ensino.[24]
Também a aplicação dos recursos do Fundef está sujeita à fiscalização de um
conselho com participação da sociedade civil. Cada Estado e cada município deve
ter um Conselho de Acompanhamento e Controle Social do fundef, com a atribuição de supervisionar mensalmente a
repartição, a transferência e a aplicação dos recursos do Fundo pelo respectivo
ente federativo, bem como a realização do Censo Escolar anual.[25]
Como último
exemplo de conselho com participação da sociedade civil encarregado de
fiscalizar os poderes públicos, podemos citar o Conselho de Gestão Fiscal,
criado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 67), e formado por
representantes de todos os poderes e esferas de governo, do mp e de entidades técnicas
representativas da sociedade, visando à harmonização e coordenação entre os
entes da federação; disseminação de práticas que resultem em maior eficiência
na alocação e execução do gasto público, na arrecadação de receitas, no
controle do endividamento e na transparência da gestão fiscal; adoção de normas
de consolidação das contas públicas, padronização das prestações de contas e
dos relatórios e demonstrativos de gestão fiscal, adoção de normas e padrões
mais simples para os pequenos municípios, bem como outros, necessários ao
controle social; divulgação de análises, estudos e diagnósticos.
A respeito das
formas de controle social da administração pública, deve ser sempre lembrado
que elas também não estão imunes à contaminação de suas finalidades por
interesses patrimonialistas e criminosos, principalmente nas instâncias locais
de governo, onde as redes de poder informais podem criar laços com os cidadãos
nos próprios bairros em que moram.[26]
Isso, contudo, não quer dizer que sempre haverá tal desvio de finalidade.
Muitas vezes esses ‘laços’ são devidos mais à força do que à vontade,
principalmente nos bairros mais carentes das grandes metrópoles, onde por vezes
certas áreas são controladas pelo crime organizado que promove o tráfico
ilícito de entorpecentes e de armas. O fato de serem tais relações ‘impostas’
ao invés de negociadas, não quer dizer que as atividades de fiscalização
popular direta e de controle social dos poderes públicos (inclusive por meio
dos conselhos referidos) também serão contaminadas. Nesse processo social
tenso, a política pública que mais sofre deturpação é a política de segurança,
inclusive porque o crime organizado por vezes se alia a membros das polícias
civil (que faz a investigação de crimes) e militar (que faz a segurança
ostensiva). Nas demais políticas públicas de efetivação da cidadania, é
possível que não haja interferência no controle social exercido sobre a
administração pública, o que de forma alguma significa que podemos compactuar
com a situação atual, mas apenas indica que podemos acreditar no
desenvolvimento das formas de controle social dos poderes públicos, mesmo nas
áreas mais carentes das grandes metrópoles.
Considerações finais
Desde a promulgação da atual
Constituição Federal em 1988, têm aumentado consideravelmente as formas de participação
popular junto à administração pública, as quais aos poucos passam a promover
uma renovação da cultura de nosso país, uma cultura que passa a estar mais
voltada para o respeito dos poderes públicos aos direitos de cidadania, mais
inteirada acerca das ‘coisas da política’, mais preocupada com valores
comunitários, sendo crucial no processo de descentralização das políticas
públicas de efetivação dos direitos de cidadania, o qual tem ocorrido desde a
redemocratização do País.
Ainda há muito o que mudar, todavia. Se nos municípios as
experiências de participação popular tem sido mais freqüentes, nos níveis mais
abrangentes de governo, principalmente na esfera federal, a participação da
sociedade ainda é incipiente no tocante a políticas públicas de educação e
saúde, por exemplo, a uma, porque nossa sociedade civil ainda é pouco
organizada, e a duas, porque há um número considerável de pessoas, seja nas
grandes cidades, seja nas cidades do interior, que estão impossibilitadas de
participar das formas de controle social do Estado, pelas mais variadas razões:
i) pelas restrições ao direito de ir e vir dos cidadãos, principalmente em
espaços urbanos específicos dominados por organizações criminosas; ii) pelas
relações de poder patrimonialistas e coronelistas que são mantidas até hoje,
principalmente nas cidades interioranas de nossas regiões nordeste e norte, mas
que ainda permanecem nas demais regiões; iii) pelas dificuldades quotidianas,
como o desemprego, que impulsionam os cidadãos para os mais variados trabalhos,
reduzindo sua vida ao binômio trabalho/família; iv) pela baixa escolaridade e
cultura geral de nossos cidadãos, pois que muitos sequer têm noção acerca de
seus direitos.
Outro aspecto
relevante sobre o controle social, está na publicidade da atuação estatal. Se
não há transparência na gestão da coisa pública, a sociedade tem mais
dificuldade para fiscalizá-la. E não basta que os governos disponibilizem a
todos informações sobre as despesas públicas e sobre a execução dos programas
de governo, conforme determinam a Constituição Federal e a Lei de
Responsabilidade Fiscal, não basta que sejam realizadas audiências públicas
para se discutirem questões relevantes para a sociedade. Os dados divulgados
devem ser confiáveis e de fácil entendimento, de forma que a população possa
compreender os pontos em discussão e se posicionar. Assim, transparência não
pressupõe apenas publicidade, mas sim ‘acesso fácil ao significado das
informações divulgadas’.
Como visto,
existem outras formas de controle do Estado, além daquele que é exercido pela
sociedade. O controle exercido pelos Parlamentos, pelos Tribunais de Contas,
pelo Poder Judiciário e pelo Ministério Público, além do controle interno das
próprias entidades administrativas, são cruciais para a eficiência de todo o
sistema. É justamente pela conjugação das diversas formas de controle da
administração pública que as eventuais falhas de uma modalidade podem ser
supridas pela atuação de outra.
Ao falarmos
sobre o controle externo exercido pelo Ministério Público, pelo Poder
Judiciário, pelos Tribunais de Contas e pelo Poder Legislativo, é necessário
lembrar que só neste último caso observa-se a autonomia entre os entes
federados, uma vez que cada um tem o seu próprio Poder Legislativo. Nos demais,
o município pode sair ‘prejudicado’, pois as instituições que farão o controle
são da estrutura de outro ente federado –os municípios não possuem Poder
Judiciário, nem Ministério Público e, salvo raras exceções, nem Tribunal de
Contas.[27]
Assim, pode ser, por exemplo, que em uma questão ambiental, de competência
comum, o Ministério Público responsabilize mais facilmente o município, do que
o Estado ou a União, pois sua atuação para responsabilizar o executivo estadual
ou federal poderá influenciar no funcionamento da instituição dentro de um
contexto político-administrativo presente. Ou ainda, pode ser que a Lei de
Responsabilidade Fiscal seja mais fiscalizada pelos Tribunais de Contas
(estaduais) com relação aos municípios do que com relação aos Estados. De
qualquer forma, devemos lembrar que esse tipo de atuação tendenciosa é ilegal e
deve ser repelida pela sociedade. Ao menos no caso do Ministério Público (e o
mesmo se pode dizer do Poder Judiciário, em regra), ela dificilmente será
observada ou aceita por seus membros. As instituições que exercem o controle
externo da administração pública detém autonomia administrativa e financeira, e
seus membros, independência funcional, justamente para que possam exercer suas
funções sem favoritismos ou perseguições, de forma isenta, impondo o
cumprimento da Constituição e das leis a todos os agentes públicos, seja qual
for sua esfera federativa.
Lembre-se que
dentre as várias formas de controle do Estado, o controle social é o que guarda
o maior potencial
de trazer eficiência ao sistema, pois como diria Ferdinand Lassale, o povo
guarda o maior de todos os poderes do Estado: os cidadãos comuns estão em toda
parte, aos milhões, enquanto as autoridades e agentes públicos contam-se
facilmente. O povo, contudo, é desorganizado, e por isso dominado por outras
formas de poder, que são mais fortes porque são organizadas (Lassale, 1969:
71-72). Por vezes as lideranças comunitárias acabam se aliando a grupos com
interesses patrimonialistas/clientelistas, ou pior, a grupos ligados ao crime
organizado, o que demonstra que nossa cultura de cidadania ainda está no início
de seu desenvolvimento, e ainda não se espalhou por todos os setores sociais.
Em face dessas
circunstâncias, e das deficiências observadas em outras formas de controle do
Estado, ressalta a importância das funções do Ministério Público no processo de
mudança de nossa sociedade civil. Na medida que o controle das políticas
públicas pela sociedade for se tornando prática cultural em nosso povo, o que é
essencial em um Estado dito democrático, como o nosso, a tendência é de que
alguns espaços de atuação hoje ocupados pelo Ministério Público sejam
compartilhados com essa nova sociedade civil organizada, possibilitando ao mp concentrar seus esforços em áreas em
que só ele pode atuar. Além disso, é provável que outras formas de controle se
aperfeiçoem, como por exemplo, o exercido pelos Tribunais de Contas. Os
resultados a serem progressivamente alcançados abrangem uma maior eficiência
nas políticas públicas de atendimento aos direitos de cidadania e a redução das
desigualdades sociais.
Durante esse
“processo de transição” de nossa sociedade, quando o Parlamento estiver tomado
por disputas entre lobbies e oligarquias coronelistas; quando os
membros dos Tribunais de Contas se recusarem a exercer suas funções técnicas, e
cederem à pressões de seus grupos políticos de origem; quando o controle
interno da administração pública for ausente, vagaroso ou conivente ante a
ilegalidades; quando o controle social for corrompido, coagido ou inexistente,
resta sempre a possibilidade de que o Ministério Público promova (inclusive
judicialmente) a correção das ilegalidades cometidas, uma vez que seus membros
têm o poder (e o dever) de atuar, independentemente de provocação, como
guardiães do direito e da sociedade.
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Enviado: el 30 de junio de 2003.
Aceptado: 28 de noviembre de 2003.
[1] Agradecemos ao estagiário Leonardo
Pereira Cassol pela organização dos dados nas tabelas referentes aos gastos do
poder público; a Cláudia Alves de Oliveira e a Maria Guadalupe Piragibe da
Fonseca, pelos comentários que contribuíram para a elucidação de alguns pontos
do artigo, eximindo-lhes todavia da responsabilidade sobre o conteúdo do texto
e as informações divulgadas. Esse artigo foi apresentado no VII Seminario de la
Red Iberoamericana de Investigadores de Globalización y Territorio, Camagüey,
Cuba, novembro de 2002.
[2] A preços de 2001, segundo a fonte
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (ipeadata).
[3] O cálculo do pib foi iniciado em 1947.
[4] Como percentagem do pib e a preços de 1980, segundo a fonte ipeadata.
[5] Os dados sobre municípios cobrem
apenas 245 dos 5,567 municípios brasileiros. Os municípios incluídos na
pesquisa são capitais estaduais e municípios localizados em regiões
metropolitanas, além de alguns cujas elevadas participações no pib estadual os levaram a ser incluídos
na amostra. A importância da amostra pode ser inferida a partir do percentual
de população dos municípios incluídos em relação à população dos estados da
Região Sudeste: no Espírito Santo, a população dos municípios incluídos na
amostra correspondeu a 48.8%, em Minas Gerais foi de 30.4%, no Rio de Janeiro
de 79.4% e em São Paulo igual a 53,5%.
[6] Em seu estudo comparativo sobre
federalismo fiscal, Miguel Asencio analisa a estrutura das finanças públicas
considerando a presença ou a ausência do orçamento da previdência social, que,
em função de sua magnitude pode mascarar o processo de descentralização nas
federações por ele analisada (Asensio, 2000).
[7] Conforme informou a Revista Veja
(2002: 36-39), dos 229 conselheiros estaduais então existentes no Brasil, 118
eram ex-deputados, ex-senadores, ex-prefeitos e ex-vereadores, o que indica
como os Tribunais de Contas acabam sendo dominados pelos políticos. Havia então
duas dezenas de projetos tramitando no Congresso sobre os Tribunais de Contas,
sendo que sete buscavam mudar os critérios de nomeação, mas nenhum deles
conseguia avançar.
[8] A Revista Veja (2002: 36-39) noticiou
inúmeros ilícitos em Tribunais de Contas brasileiros, como o caso do desvio de
verbas públicas federais (169 milhões de reais) para a construção do prédio do
Tribunal Regional do Trabalho do Estado de São Paulo. Os técnicos do Tribunal
de Contas da União (tcu)
constataram irregularidades graves ainda em 1992, logo no início da obra, mas
só em 1998 ela foi embargada pelo tcu,
por pressões do Ministério Público e da Comissão Parlamentar de Inquérito do
Poder Judiciário. Durante seis anos, o processo passou por dois ministros do tcu, o primeiro nada tendo feito e o
segundo tendo mandado a obra seguir, argumentando que havia sido gasto muito
dinheiro e que o prejuízo seria menor se a obra fosse concluída. Os outros
casos relatados pela Revista referem-se a práticas de nepotismo, desvio e
apropriação de verbas públicas, superfaturamento de produtos e outras
ilegalidades atribuíveis a alguns membros dos Tribunais de Contas dos Estados
de Mato Grosso do Sul, Amapá, Acre, Rondônia, Alagoas, Distrito Federal, Rio de
Janeiro e Paraná.
[9] A autonomia institucional do mp é tão importante que a Constituição
Federal, no art. 85, II, considera crime de responsabilidade o ato do
Presidente da República que atente contra o exercício das funções do mp.
[10] São garantias (Constitução Federal,
1988: art. 128 § 5º): i) vitaliciedade, após dois anos de exercício, não
podendo perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado; ii)
inamovibilidade no cargo e no exercício de suas funções, salvo por motivo de
interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente do mp, por voto de dois terços de seus
membros, assegurada ampla defesa; iii) irredutibilidade de subsídio
(remuneração). São vedações (Constitução Federal, 1988: art. 128 § 5º, ii): i) receber honorários, percentagens
ou custas processuais; ii) exercer a advocacia; iii) participar de sociedade
comercial, na forma da lei; iv) exercer qualquer outra função pública, salvo
uma de magistério; v) exercer atividade político-partidária, salvo exceções
previstas na lei. Cabe ainda mencionar uma prerrogativa dos membros do mp: a de não ser julgado pelo mesmo
juízo dos cidadãos comuns. Sempre serão os membros do mp julgados por Tribunais ou Órgãos colegiados diferentes
dos juízos com quem tais membros atuam quotidianamente.
[11]
Constitução Federal, 1988: art. 8º, § 3º, lc 75/93. Pode o mp
realizar os seguintes atos: notificar testemunhas e requisitar sua
condução coercitiva, no caso de ausência injustificada; requisitar informações,
exames, perícias, serviços temporários e documentos de autoridades da
administração pública direta ou indireta; requisitar informações e documentos a
entidades privadas; realizar inspeções e diligências investigatórias; ter livre
acesso a qualquer local público ou privado, respeitadas as normas da
inviolabilidade do domicílio; ter acesso incondicional a qualquer banco de
dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública; requisitar
o auxílio de força policial (Lei 8625/93: art. 8º, i a ix, lc 75/93, art. 80).
[12] Cf. a Lei 8429/92, outras medidas a
serem decretadas na sentença da ação de improbidade são a perda dos bens ou
valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, a suspensão dos direitos
políticos de 3 até 10 anos, o pagamento de multa civil, a proibição de
contratar com o poder público e de receber incentivos ou benefícios fiscais ou
creditícios, por prazos de 3, 5 e 10 anos.
[13] Conceder-se-á habeas
corpus sempre que alguém
sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de
locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder (Constitução Federal, 1988: art. 5º, lxviii).
[14] Conceder-se-á habeas
data: i) para o
conhecimento de informações sobre a pessoa do impetrante, constantes de
registros de dados de entidades governamentais ou de caráter público; ii) para
a retificação de dados, quando não se opte por processo sigiloso, judicial ou
administrativo (Constitução Federal, 1988:
art. 5, lxxii).
[15] Conceder-se-á mandado de segurança
para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas
corpus ou habeas
data, quando o
responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente
de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público (Constitução
Federal, 1988: art. 5, lxix).
[16] Assim, o art. 40 da Lei 10257/2001
(Estatuto das Cidades), prevê que a elaboração e a fiscalização da implantação
do plano diretor, instrumento básico da política de desenvolvimento urbano,
devem ter a participação da população assegurada, por meio de debates e
audiências públicas, onde sejam parte as associações representativas dos vários
segmentos da sociedade. O art. 44, por sua vez, prevê a participação da
população, por meio de consultas, debates e audiências públicas, como condição
obrigatória para a aprovação do plano plurianual, da lei de diretrizes
orçamentárias e do orçamento anual, no âmbito dos municípios.
[17] Em 06/06/2001, semanas antes de o
Senado reconduzi-lo pela terceira vez ao cargo de Procurador-Geral da
República, a Revista Veja (2001: 125-126), noticiou que Geraldo Brindeiro tinha
4,514 processos parados na gaveta e ainda queria um quarto mandato, já estando
em campanha junto a parlamentares do pmdb
e do pfl. Dos 4,514
processos, a Revista ressaltou os inquéritos, por tratarem de investigações
criminais contra autoridades estaduais (como governadores) ou federais. É um
tipo de processo que só anda se tiver um parecer do Procurador-Geral da
República. Segundo a reportagem, desde que assumira o cargo, em junho de 1995,
Brindeiro já recebera 626 inquéritos. Destes, 242 (38.6%) encontravam-se “na
gaveta” (isto é, parados, a espera de parecer); 217 (34.7%) haviam sido
arquivados; 60 (9.6%) haviam resultado em denúncia; 88 (14.1%) haviam sido devolvidos
à Justiça; 19 (3.0%) encontravam-se em investigação. Dos 242 inquéritos ‘na
gaveta’, 194 eram sobre Deputados Federais, 33 sobre Senadores, 11 sobre
Ministros e ex-ministros e 4 sobre o Presidente. No ano em que este artigo foi
escrito (2002), o então Procurador-Geral da República, Geraldo Brindeiro,
encontrava-se em seu quarto ‘mandato’ consecutivo (foi reconduzido ao cargo
três vezes). Em 06/06/2001, a Revista Veja (2001: 125-126), noticiou que o
Procurador-Geral da República, em seis anos, fez somente seis
contestações a medidas do Governo Federal. O Procurador-Geral anterior, Aristides Junqueira, em
seis anos de ‘mandato’, nos governos de Fernando Collor e Itamar Franco,
apresentou 56 contestações. Não é possível que essa diferença se deva apenas ao
fato de o atual Governo Federal cometer menos deslizes do que os governos
anteriores.
[18] Sauwen Filho (1999: 172-174), essa
foi a fórmula vencedora de pesquisa realizada em 1985 entre os membros do mp em todo o país, por parte da
Confederação Nacional do Ministério Público (Conamp). Dos 977 membros que
responderam a consulta, 606 optaram pela eleição direta para Procurador-Geral
(275 por toda a classe indistintamente, 199 somente por membros estáveis, 132
pelo Colégio de Procuradores), 221 optaram pelo sistema que combina elaboração
de lista tríplice pela Instituição, para escolha de um nome pelo Chefe do
Executivo (92 entenderam que a lista tríplice deveria ser elaborada pelo
Colégio de Procuradores, 60 por toda a classe indistintamente, e 69 somente por
membros estáveis) e apenas 15 optaram pelo sistema de livre nomeação pelo Chefe
do Executivo; os restantes abstiveram-se. Ressalte-se ainda que 810 (contra 67)
entenderam ser desnecessária a ratificação do nome escolhido pelo Poder
Legislativo.
[19] Podem ser citados ainda os conselhos
que devem existir nos vários níveis de governo, nas áreas de proteção da
infância e adolescência, combate ao narcotráfico, proteção ao idoso, proteção
ao meio ambiente. Tais conselhos têm a atribuição de traçar a política para
determinada área de atuação estatal, e ao menos no caso dos Conselhos Tutelares
de Proteção à Infância e à Adolescência, e no caso dos Conselhos Anti-Drogas,
também há a competência para fiscalizar a execução da política pública. Merece
ser mencionado ainda o caso da gestão dos recursos hídricos, que segundo a Lei
9433/97 deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público,
dos usuários e das comunidades. Os órgãos para formulação da política pública
de uso dos recursos hídricos são o Conselho Nacional, os Conselhos dos Estados
e do Distrito Federal e os Comitês de Bacia Hidrográfica (que reúnem as
autoridades da União, do municípios e eventualmente dos Estados que partilham a
mesma bacia hidrográfica, além dos usuários e de representantes da sociedade
civil organizada). As Agências de Água, de âmbito estadual (além da Agência
Nacional de Águas, de âmbito federal), cuidam da fiscalização da política
nacional e da arrecadação das receitas vindas da cobrança do uso das águas,
sendo que será a partir dos planos de bacia hidrográfica (de âmbito
local/regional) que deverão ser formulados os planos estaduais e o plano
nacional. Ressalte-se ainda que a administração das águas ficará a cargo das
Agências e dos Comitês de Bacia Hidrográfica.
[20] Os recursos do pdde podem ser utilizados na aquisição
de material permanente; manutenção, conservação e pequenos reparos da unidade
escolar; aquisição de material de consumo necessário ao funcionamento da
escola; capacitação e aperfeiçoamento de profissionais da educação; avaliação
de aprendizagem; implementação de projeto pedagógico; e desenvolvimento de
atividades educacionais.
[21] No caso de unidades escolares com
menos de 100 e mais de 20 alunos matriculados, se não houver Unidade Executora
instituída, o repasse será indireto, sendo intermediado pela Prefeitura ou pela
Secretaria de Educação do Estado ou do Distrito Federal. Para as escolas com
100 alunos ou mais, todavia, a criação das uex
é obrigatória para a participação no pdde.
[22] Cf. site do Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação, <http://www.fnde.gov.br>, agosto de 2002, o Programa
Nacional de Alimentação Escolar fornece recursos suplementares para garantir
que 15% das necessidades nutricionais diárias das crianças matriculadas na
pré-escola e no ensino fundamental sejam atendidos. A complementação alimentar
fica a cargo dos Estados, df e
municípios beneficiados.
[23] Cf. o site do Ministério da Educação,
<http://www.mec.gov.br>, agosto de 2002, entre dezembro de 1997 e junho
de 2000, o aumento médio na remuneração dos professores foi de 29.6%, com
destaque para algumas regiões, como a nordeste, onde os docentes do ensino
fundamental foram beneficiados com um aumento médio de 59.6%, aí incluídas as
redes municipais e estaduais.
[24] Cf. o site do Ministério da Educação,
<http://www.mec.gov.br>, agosto de 2002, essas ‘ações’ abrangem a
aquisição, manutenção e utilização de instalações e equipamentos necessários ao
ensino; a remuneração e o aperfeiçoamento dos profissionais da educação; a
aquisição de material didático; o transporte escolar.
[25]
Cf.
Lei 9424/96: art. 4º, § 1º, II-IV, nos Estados, o conselho será formado por no
mínimo sete membros, representando respectivamente: i) o Poder Executivo
Estadual; ii) os poderes Executivos Municipais; iii) o Conselho Estadual de
Educação; iv) os pais de alunos e professores das escolas públicas do ensino
fundamental; v) a seccional da união nacional dos dirigentes municipais de
educação; vi) a seccional da Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Educação; vii) a Delegacia Regional do Ministério da Educação e do Desporto. No
df o conselho será composto por no
mínimo cinco membros, sendo as representações as previstas para o âmbito
estadual, salvo as indicadas nas alíneas b, e e g. Nos municípios, o conselho será constituído
por no mínimo quatro membros (ou cinco, caso haja Conselho Municipal de
Educação) representando respectivamente: i) a Secretaria Municipal de Educação
ou órgão equivalente; ii) os professores e os diretores das escolas públicas do
ensino fundamental; iii) os pais de alunos; iv) os servidores das escolas
públicas do ensino fundamental.
[26] A esse respeito merece ser lembrada a
pesquisa feita pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro,
divulgada no Jornal O Globo (2002: 22), estimando que cerca de 400 dirigentes
comunitários estão associados ao Tráfico Ilícito de Entorpecentes. O mesmo
artigo diz ainda que alguns traficantes chegam a dizer a líderes comunitários
das favelas sob seu comando que ofereçam votos dos moradores a políticos.
[27] Somente os municípios de São Paulo e Rio de Janeiro têm Tribunal de Contas próprio, os demais municípios têm suas contas aprovadas pelo Tribunal de Contas dos Estados, ou por um ‘Tribunal de Contas Municipais’, mas que integra a organização do Estado federado. Nesse caso, a autonomia municipal fica prejudicada, mas isso decorre do Texto Constitucional (art. 31, § 4º) que vedou expressamente a criação de novos Tribunais de Contas no âmbito dos municípios a partir da promulgação da Constitução Federal em 1988.