Acidentes
naturais: o paradoxo entre adversidades e potencialidades na gestão urbana
Natural disasters: the paradox between adversities and
potentialities in urban management
Clovis Ultramari
Iuri Fukuda Hayakawa*
Abstract
Following a
theoretical discussion, we present a discussion on potentialities involving
natural disasters in urban areas based on two case studies in Brazil. The case
studies showed that if communities involved in adversities demonstrate a
suffered conquered awareness, governmental agents still have a long way to
proceed. Despite increasing research on natural disasters and their impacts,
attention to their paradoxical potentialities is poor. The results presented
here are to be further scrutinized, but authors already run the risk to verify
the hypothesis: adverse situations may unleash potential instruments for
positive urban transformations. We are aware of the paradox such idea may
reveal.
Keywords: natural disaster, urban management, social
vulnerabilitys.
Resumo
Este artigo
busca identificar potencialidades meio a situações de desastres naturais em
áreas urbanas. É crescente o debate sobre acidentes naturais e seus impactos;
porém é restrita à busca estratégica de instrumentos transformadores paradoxalmente disponibilizados quando dessas
adversidades. A discussão teórico-referencial é seguida de estudo de
caso sobre eventos adversos na Região Metropolitana de Curitiba e Região
Serrana do Rio de Janeiro, Brasil. Os resultados da pesquisa ainda serão submetidos
a outras realidades, porém, já se arrisca confirmar a hipótese: em situações
adversas, potencialidades podem ser observadas e, talvez pelo paradoxo que
suscitam, são pouco apropriadas pelo gestor urbano.
Palavra-chaves:
desastre natural, gestão urbana, vulnerabilidade Social.
*
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Brasil. Correos-e: ultramari@yahoo.com e iurihaya@hotmail.com
Introdução
Este artigo
apresenta um recorte de uma pesquisa maior que busca identificar possíveis
potencialidades quando de situações de desastres naturais em áreas urbanas. Tal
pesquisa maior é elaborada segundo sub-temáticas e com estudos de caso
igualmente específicos. Desenvolvida em nível de orientações de mestrado e de doutorado, assim como atividade formal de
projeto com fomento institucional, a pesquisa discute possíveis novos
compromissos para a gestão urbana: se, por um lado, é crescente o debate sobre
acidentes naturais e seus impactos em áreas urbanas brasileiras, ainda é
restrita a busca da identificação de estratégias capazes de otimizar, dentre
outras coisas, os recursos disponibilizados em situações de emergência. Este
artigo apresenta uma discussão de caráter teórico-referencial seguida de um
estudo de caso desenvolvido com a técnica de entrevistas sobre evento adverso
na Região Metropolitana de Curitiba. Referencia-se também numa série de
entrevistas com agentes envolvidos nos deslizamentos de terras ocorridos nos
municípios da Região Serrana do Rio de Janeiro, em janeiro de 2011.[1]
O enfoque que
ilustra o presente artigo está vinculado a uma questão pragmática que é a de
contribuir para a investigação sobre uma possível otimização nas ações de
socorro e reconstrução de cidades ou compartimentos urbanos quando de situações
de grandes desastres naturais. Essas
ações, em ordem de grandeza e perfis diversos, são, minimamente, sugeridas por
agências estrangeiras e/ou por agentes locais com diferentes capacidades,
interesses e vínculos com a realidade em questão. As agências estrangeiras são
aqui entendidas como instituições que arregimentam esforços técnicos,
operacionais e financeiros, disponibilizando-os em situações humanitárias
emergenciais em cidades que, em princípio, não lhes dizem respeito diretamente.
Os agentes
locais, sobretudo membros da sociedade civil organizada, da prefeitura
municipal e dos serviços de defesa civil, também atuam no nível do urbano em
situação de emergência, agregando esforços governamentais e não-governamentais.
No caso desses últimos, ressalta-se o fato de que contam com a responsabilidade
de desenvolver e operar políticas públicas
urbanas na área do desastre. O volume de esforços empreendidos por esses
agentes, locais ou não, cresce em quantidade - mais recursos financeiros e mais
pessoas envolvidas no socorro e no apoio à reconstrução - e em capacitação e
profissionalismo: às ações que até então se fundamentavam no desprendimento, na
dedicação pessoal e no voluntarismo são adicionadas iniciativas mais formais e
institucionais no enfrentamento das adversidades. Com isso, altera-se mesmo
aquilo que até então se entendia por solidariedade, conforme lembrado por
Fensterseifer (2008:14).
O princípio da
solidariedade renasce como Fênix das cinzas jurídicas da Revolução Francesa
para transformar-se no novo marco jurídico-constitucional do Estado
Socioambiental de Direito contemporâneo […] buscacontinuar na edificação de uma
comunidade estatal que teve o seu marco inicial com o Estado Liberal,
alicerçando agora novos pilares constitucionais ajustados a nova realidade
social e desafios existenciais postos no espaço histórico-temporal
contemporâneo.
O presente artigo
tem como pressuposto o fato de a base teórica mais recentemente utilizada para
compreender as situações de adversidades por acidentes naturais, seus impactos
em graus e tipologias distintas segundo realidades socioeconômicas e
prioridades igualmente distintas para a atuação de socorro e reconstrução,
contar com um avanço significativo se comparada com compreensões pretéritas e
até então muito difundidas. Porém, este artigo também tem como pressuposto a
necessidade de uma segunda mudança conceitual na discussão sobre
fenômenos naturais adversos.
Em um primeiro
momento, mudou-se de uma perspectiva tradicional e mais interessada em entender
as causas naturais dos fenômenos adversos para uma visão mais sociológica,
tratando a vulnerabilidade como uma construção social e a resiliência também
como um fator resultante de determinações políticas, institucionais e
gerenciais (para o caso que aqui mais interessa, de gestão urbana). De fato,
conforme proposto por Rodríguez (2001); Mattedi e Butzke (2001); Marandola e
Hogan (2006); Acselrad (2006); Ultramari
(2006) e Ultramari e Rezende (2007), dentre outros que confirmam a recorrência
dessa perspectiva interpretativa, é possível detectar essa mudança positiva a
partir de uma aderência acadêmica prévia à Teoria dos Hazards para uma mais
contemporânea, a Teoria dos Acidentes. Desse modo, aspectos sociais passam a
ser o foco de interesse maior nas discussões sobre situações de emergência, as
quais antes priorizavam o entendimento geográfico, natural e tipológico do
fenômeno adverso. Com tal mudança de entendimento em níveis conceituais, adversidades
naturais têm sido compreendidas cada vez
menos vinculadas a simples imposições da natureza e, ainda, mais distante da
visão que se ocupa prioritariamente com o fenômeno e não com suas causas e
consequências sociais. A síntese desse raciocínio pode ser buscada em Alexander
(2003) que identifica a migração de um entendimento de desastre natural como atos de deus para um outro, onde se constrói uma tipologia de
fenômenos distinguidos pelo fato de serem ou não provocados ou enfrentados por
ações antrópicas: importa-se agora com o fenômeno natural, com os diferentes
níveis de vulnerabilidade a ele e também com a determinação de
responsabilidades. De um entendimento mais monodisciplinar - sobretudo advindo
das ciências consideradas duras - parte-se para uma compreensão onde diversas
perspectivas disciplinares se confundem colaborativamente. Do mesmo modo, fica
consolidada a distinção entre as duas teorias mais tradicionais no debate das
adversidades (Teoria dos
Hazards e Teoria dos Acidentes). Enquanto a primeira
se detém prioritariamente sobre os aspectos geográficos, ou seja, com a
dimensão, as causas e as tipologias dos eventos naturais; a segunda,
complementar à primeira, se serve da compreensão social para entender o impacto
de determinados fenômenos adversos.
la classique
consiste à mesurer l’endommagement potentiel des éléments exposés; la nouvelle,
intégrée et complémentaire de la première, vise à cerner les conditions ou les
facteurs propices aux endommagements ou influant sur la capacité de réponse à
une situation de crise[2] (Thouret e D’ercole, 1996).
Diferentemente de
um entendimento mais generalizante, conforme proposto por Beck et
al. (1992), em seus
primeiros trabalhos, que substitui uma sociedade de classes por uma outra que
se diferenciaria por uma generalizada submissão ao risco, priorizou-se então a
construção do conceito de vulnerabilidade como um fenômeno social que distingue
grupos e pessoas submetidas a um mesmo evento adverso. Tal compreensão sugere
uma forte influência dos riscos e acidentes de forma distinta sobre áreas
definidas não apenas por suas qualidades físico-ambientais, mas, sobretudo,
pela heterogeneidade socioeconômica de sua população, seja em termos de
responder de modo individual, associativamente ou por meio de suas representações
governamentais.
Mesmo desastres
que parecem impactar a totalidade de cidades afetas revelam uma distinção entre
situações pós-desastre de suas áreas socialmente distintas. De fato, se
tomarmos a ideia de injustiça revelada por Marcuse (2009), em que se observa um
confinamento involuntário de grupos da população de forma segregada ou
guetizada (o fenômeno da “não-liberdade”) e uma alocação diferenciada dos
recursos sobre o espaço (o fenômeno da distribuição injusta dos recursos). Tal
cenário confirma pois o entendimento de vulnerabilidade como um fenômeno
social, o qual deve caracterizar políticas públicas em diversos estágios, seja
na definição de prioridades de atuação emergencial, seja no trabalho de
prevenção.
De acordo com
esses novos entendimentos conceituais, a atenção do debate científico tem
priorizado aspectos da redução de riscos ao desastre, identificação de
possíveis mitigações e aprimoramento de capacidade de resposta frente a
emergências. A mudança no entendimento conceitual parece também revelar
mudanças de ordem prática quando do enfrentamento a adversidades naturais por
agentes sociais diversos. De fato, o empirismo permite afirmar que a gestão da
emergência para situações de desastre tem demonstrado, a um tempo, incremento
de expertise por
parte dos governos locais (sobretudo a partir da consolidação institucional de
suas Defesas Civis), uma maior disposição a ações solidárias por parte da
comunidade (direta ou indiretamente envolvida, local, próxima ou distante); um
maior consórcio, em termos de preocupação internacional, para o préstimo de
socorro e uma maior disponibilidade de recursos diversos que muitas vezes podem
ultrapassar a capacidade de gerência das instituições que trabalham nessas
situações.
Destas mudanças,
processuais, porém positivas, merece destaque a solidariedade, local e
internacional, que cada vez mais, imediata e fortemente, responde a demandas em
situações de emergência em áreas que lhes são distantes, política, ambiental,
econômica e culturalmente. Todavia, conforme já anunciado, tal solidariedade e
voluntarismo, crescentes, parecem ainda não terem completado o necessário
processo de capacitação gerencial, técnica ou administrativa.
Nearly half of French donations for victims of the
2004 Asian tsunami remained unspent 12 months ago and should be allocated to
other charitable causes[…]It
explained the unspent funds on the sheer volume of donations to nongovernment
organizations. The problem generally met by the NGOs was not a problem of
financing projects, it was a problem of using abundant, even overabundant resources[…] the World Bank said that about 60 percent of $600
million tsunami aid it was administering for two Indonesian provinces had not
been spent, adding that this rate of expenditure was fast compared to past
natural disasters […] In
the case of the French Red Cross some 85 percent of the total was unused at the
end of 2005[3](Jarry, 2007).
Se a primeira
grande importante mudança observada no entendimento e tratamento de situações
adversas naturais, a qual se revelou mais evidente apenas ao cabo de um longo
processo, aportou relevantes aspectos investigativos, outras questões agora
merecem ser mais claramente entendidas. Tais entendimentos, sobretudo de ordem
pragmática e operacional, constitui a segunda mudança da qual trata o presente
artigo. A mudança necessária sugerida, e que estrutura o presente artigo, é
observada em diferentes perspectivas, sempre caracterizadas pela busca de 1.
ceticismo frente a ações de solidariedade que parecem, na maioria das vezes,
isentas a críticas, e 2. identificação de paradoxais potencialidades meio a
situações adversas emergentes de acidentes naturais.
Em termos do
necessário ceticismo frente a questões tradicionalmente inquestionáveis tem-se, minimamente, o esclarecimento
sobre possíveis externalidades, aspectos paradoxalmente negativos das ações de
solidariedade frente a adversidades e mesmo interesses não explícitos quando de
iniciativas aparentemente humanitárias. Ao discutir solidariedade em nível
internacional, a já recorrentemente citada pesquisa de Djankov et
al. (2005: 3)[4] revela essa mesma
preocupação:
A ajuda
internacional leva políticos no poder a se engajar na busca por lucros
especulativos e a excluir outros grupos do processo político. Ao agirem dessa
maneira, as instituições políticas são prejudicadas e se tornam menos
representativas e menos democráticas. […] Nossas conclusões [atestam que] a
ajuda internacional prejudica as instituições políticas dos países receptores
de ajuda ao reduzir suas regaras democráticas.[5]
Os mesmos autores
citam outros estudos que adotam o mesmo enfoque em relação a doações e que
podem ser aqui traduzidas como expressões concretas de uma solidariedade
internacional crescente em ações e em volume de recursos que opera.
A literatura
sobre o efeito da ajuda no desenvolvimento é alternada. Boone (1996) acredita,
servindo-se de uma amostra de países em desenvolvimento, que a ajuda não tem
efeito sobre investimento ou crescimento. Burnside e Dollar (2000) qualificam
esse resultado ao incluir o papel das políticas públicas: ajuda tem um papel
positivo no crescimento em países em desenvolvimento com boas políticas; ao mesmo tempo, não tem
efeito algum em países com políticas pobres. Esse último resultado tem sido
desafiado por Easterly, Levine e Roodman (2003). Easterly (2003a) aponta para o
fato de que tais conclusões sobre a pesquisa de Burnside e Dollar (2003) também
são sensíveis à definição de ajuda internacional, a políticas e a resultados
per capita. Easterly (2003b), por sua vez, nos traz um argumento mais forte
sobre como a ajuda frequentemente fracassa em seus propósitos.[6]
Tais discussões
colocam pois a solidariedade à prova de olhares necessariamente céticos; porém,
tal ceticismo, ao contrário de eliminar a consecução de possíveis bons
resultados de tais inciativas, ajudam a pensar em ações mais impactantes a
longo prazo e eventualmente de caráter estruturador. Trata-se, entretanto de um
difícil esforço de alterar antigos paradigmas. A mesma dificuldade é observada
em relação às potencialidades tal qual entendidas neste artigo.
Em termos da
procura, identificação e apropriação por eventuais potencialidades geradas em
situações adversas, tem-se, também minimamente, a ampliação e otimização da
internalização de recursos, a consolidação de estruturas organizadas da
sociedade, a capacitação de agentes diversos e envolvidos na prática da gestão
urbana, o debate sobre novos e mais apropriados modos de se ocupar o espaço
urbano e a necessidade de se estabelecer prioridades no uso do recurso público
baseadas em vulnerabilidades sociais.
Se a primeira
mudança teórica a respeito do entendimento das causas e impactos decorrentes de
adversidades naturais nos fez avançar para a apreensão da vulnerabilidade como
um fator essencialmente social, a segunda mudança, de forma acumulativa à
primeira, revela pois um necessário caráter cético e uma gerência estratégica. Ultramari
(2013: 29) ao analisar esse processo, o caracteriza como um
phenomenon is part of real, concrete, but
difficult-to-identify societal advances […]
In general, as expected, such changes do not occur in a linear way, but
are characterized by regressions, reiterations, and marginal performances.[7]
Na sequência,
neste contexto de avanços não-lineares para a uma segunda importante mudança de
caráter conceitual e prático, apresenta-se uma discussão sobre aspectos que
possam restringir valores inquestionáveis da solidariedade frente a
adversidades e sobre as chamadas paradoxais potencialidades advindas dessas
mesmas fenomenologias. O estudo de caso que segue diz respeito a essa segunda
discussão. Antes da apresentação deste estudo, porém, faz-se uma rápida
discussão sobre os dois pares de fatores que se julga importantes: 1. ceticismo
e solidariedade e 2. potencialidades e estratégias.
1. Ceticismo e
solidariedade
Solidariedade
é aqui entendida como ações diversas que resultam dos chamados impulsos para o envolvimento de indivíduos,
comunidade ou instituição de ajuda na gerência de emergências, em processos de
reconstrução e em medidas de planejamento para a redução de risco. Tais impulsos são tradicional e mais largamente
entendidos como compromissos de solidariedade; entretanto, outros fatores
implicam na ajuda, na não-ajuda, no seu perfil e no montante de recursos
disponibilizados que viabilizam. Apreender tais possibilidades sugere não
apenas estratégias de caráter operacional, administrativo e político mas também
uma atenção ao fato de que as possibilidades de se receber ajuda internacional
são grandemente, e cada vez mais, influenciadas por questões emocionais, de
momento, de difusão na mídia, conforme estudo de Hutchison (2014).
De fato, limitações diversas, logística, temporalidades, impactos
previstos para ação, e, também, agendas e interesses institucionais não
explicitados implicam em modos e prioridades distintas de solidariedade. Na
combinação desses fenômenos causais, instituições, indivíduos e comunidade
organizada se submetem ainda a uma miríade de interesses que lhes são externos,
com destaque para aqueles aportados pela mídia, por redes sociais e por canais
globais e multilaterais há muito institucionalizados.
Adams (1986), por
exemplo, ao investigar o tempo dedicado pela televisão norte-americana para o
debate de acidentes específicos na escala mundial, conclui pela sua não
paridade com a gravidade dos fatos: questões outras que não diretamente
relacionadas com o acidente - étnicas, geográficas, políticas, o momento da
ocorrência, sua tipologia - podem influenciar mais no interesse da população
mundial, e portanto na sua disposição solidária, que propriamente o número de
mortos e danos materiais.
Tem-se assim, que
a verdadeira geografia da solidariedade pode ser estabelecida por parâmetros
que não correspondem à gravidade da adversidade, de modo geral medida
quantitativamente em danos materiais e humanos, mas sim por fatores de difícil
apreensão.
Kauchakje (2012:
37-38) confirma esse entendimento de solidariedade como um fenômeno que vai
além (ou aquém) do sentimento de preocupação e ajuda.
o que motiva o
comportamento de solidariedade nem sempre é a identificação ou o compartilhamento com uma condição em si
mesma, ou com uma pessoa ou um grupo social qualquer, mas, pode ser, por
exemplo: a) a identificação com pessoas ou grupo determinados (quer dizer,
poderia não haver solidariedade em relação a situação similar de pessoas não
pertencentes ao grupo familiar, comunitário ou étnico ou, ainda, de classe
social, nacionalidade ou identidades culturais e de gênero diferentes, entre
outros critérios de inclusão/exclusão); b) busca por distinção e prestígio; c)
autopunição ou autodefesa diante de um potencial prejuízo que a situação possa
causar para o próprio agente solidário ou para o grupo a que pertença; d) dever
de caridade religiosa e; e) crença num estatuto legal.
Em estudo mais
recente, a mesma autora lembra que tal solidariedade, em países como o Brasil,
assume também um caráter estatista, por meio do “estabelecimento de direitos
sociais entre os fundamentais, a provisão pública e universal no âmbito da
política pública social; e formas de transferência monetária, dentre outras
formas” (Kauchakje, 2013: 140). Tal regulamentação, esperadamente, não se
observa meio às ações internacionais, porém prevalece o princípio.
Assim, se, por um
lado, agências de apoio (sobretudo no caso das internacionais, com maiores
riscos de disparidade entre interesses locais e prioridades decididas
distantemente) hoje são importantes na internalização de recursos necessários
para o enfrentamento de emergências, observam-se riscos de possíveis
permanências de dependência da comunidade ou cidade atingida em relação aos
interesses institucionais, políticos, éticos, dentre outros, de quem ajuda.
Nestas situações, tem-se a fragilidade permanente induzida pela “cultura da
dádiva”, conforme determinada por Bourdieu (1998), Mauss (2003), e Sales (1994),
ou mesmo a curse of aid[8] tal qual entendida por Djankov, et
al. (2005).
Para Sales (1994)
a cultura da dádiva é a expressão política da desigualdade social brasileira,
substituindo os direitos básicos de cidadania e criando a noção de cidadania concedida. Similarmente, Jamur (2005: 493), ao
tratar de uma solidariedade ampliada em nível internacional para o repasse de
recursos, identifica três elementos por ele considerados essenciais na
caracterização das condições dos discursos: uma possível perda da autonomia dos
Estados, submetidos às exigências de organismos internacionais financeiros; a
possível inadequação da forma de intervenção do Estado a respeito do mercado
como regulador econômico e social (a considerar o papel de organismos privados)
e uma ameaça de ruptura dos laços sociais, pois a ajuda internacional pode
desestabilizar vínculos previamente existentes.
Solidariedade não
deixa de ser uma inovação social no sentido de que o indivíduo necessita dar
auxílio altruísta ao próximo para o seu desenvolvimento individual. De fato,
Westphal (2008) identifica dois aspectos que lhe parecem mais recorrentes
acerca das teorias da solidariedade, seja na sociologia, seja na política ou
filosofia: a relação de reciprocidade entre os membros de um grupo e a base
normativa presente no seu cotidiano.
Assim, ao
valorizar esse segundo aspecto, reitera o necessário comprometimento do Estado
com o direito da garantia do bem-estar de seus cidadãos, da sua liberdade e da
sua autonomia: de um voluntarismo e desprendimento avança-se, positivamente,
para uma ação de política pública comprometida. No caso da solidariedade frente
a catástrofes, reitera-se assim a importância de ações que devem ir para além
do imediatismo e do passageiro: sem jamais desconsiderar a sua relevância,
obriga-se a defendê-la, entendê-la e trabalha-la com maior grau de pragmatismo
e de ceticismo, justapondo benefícios mais imediatos e eventuais ônus que
possam perdurar.
2. Potencialidades e
estratégias
A despeito dos
grandes esforços para se entender as causas dos acidentes naturais, para
desenvolver melhores ações de atendimento a emergências e para melhor
estabelecer redes de apoio, estudos para identificar as potencialidades que se
acreditam emergir de situações adversas ainda são incomuns. O aparente paradoxo
deste entendimento pode, em parte, explicar a incipiência cientifica a seu
respeito. Todavia, a distância sempre significativa
entre, por exemplo, dos indicadores de severidade dos desastres e os
indicadores de volume de recursos doados tem sugerido a importância de se
buscar instrumentos que possam ler e apreender potencialidades menos evidentes
para se internalizar recursos.
Esta ideia é
reiterada por Hummell (2014) ao concluir, em estudo sobre o fluxo de recursos
em nível global da ajuda internacional durante a década de 2000, que os maiores
desastres não são necessariamente aqueles que mais recebem recursos; que os
países mais ricos não são os maiores doadores e que há pouca linearidade na solidariedade
dessas ações.[9]
Tais
potencialidades, ou o que pode igualmente ser nomeado de externalidades
paradoxais dos acidentes naturais são, preliminarmente, detectadas quando:
• Da possibilidade de se adotar mudanças
estruturais em termos de novas práticas de gestão urbana;
• Da possibilidade de se adotar novas e mais
adequadas regras e procedimentos de uso do solo urbano;
• De melhores chances de internalizar recursos
disponibilizados por redes de solidariedade internacional que atuem em
situações de emergência;
• Da criação de melhores condições para
impulsionar a economia local pela concentração de dinâmica comercial,
industrial e do setor de serviços assim como a demanda incremental por mão de
obra para obras de reconstrução;
• Da construção de novos laços sociais e
estruturas institucionais diversas mais sólidas.
Acredita-se pois
que essas potencialidades podem ser identificadas em: novas estruturas
institucionais, novas formas de decisão democrática, adoção de boas práticas
institucionais, lições aprendidas por meio da experiência de agentes externos
envolvidos na ação de recuperação pós-desastre, novos zoneamentos de uso do
solo, novas e mais adequadas legislações urbanas, novas configurações viárias,
novas regras edilícias, mudanças em hábitos de construção arquitetônica,
diferenças qualitativas na provisão de infraestruturas e serviços públicos.
Pesquisa junto às
administrações locais da Região Serrana do estado do Rio de Janeiro[10] quando
dos processos de reconstrução urbana devido aos deslizamentos ocorridos
na estação das chuvas em 2011[11] revelam, ao mesmo tempo,
uma apreensão pela situação mais fortemente revelada pelos acidentes: ocupações
de áreas inadequadas, desrespeito generalizado ao formulado pela legislação
edilícia e de parcelamento, sujeição da população mais carente aos maiores
riscos, inoperância dos diferentes níveis de governo e uma clara identificação
de alterações positivas. A identificação de tais alterações é que se busca
explicitar aqui, sempre conscientes do ostensivo e intrínseco paradoxo que
compõem tais externalidades positivas.
Antes do desastre
de 2011, a Defesa Civil da cidade de Sumidouro não existia para a população em
geral; atualmente, está na mira da sociedade. Isso significa que a Defesa Civil
é procurada para outras coisas que a população precisa e que por ventura
estejam sob a responsabilidade de outras secretarias municipais. Atualmente, se
alguém tem dúvida a respeito da compra de uma casa, por exemplo, o interessado
primeiro procura informação aqui para ter certeza de que está em conformidade
com a lei ou não! (Benther, entrevista personal, 13 de enero, 2012).
Se alguma coisa
mudou, tal fato pode ser confirmado meio à população e não nos níveis de
governo. A população está agora mais receosa em ocupar áreas de risco e há uma
maior consciência do problema; elas deixam suas casas quando a previsão do
tempo anuncia possíveis enchentes ou deslizamento de terras. Agora, o risco é
entendido pela sociedade. Em termos de governo, poucas coisas mudaram; se algo
foi feito, ainda é muito tímido (Muller, entrevista personal, 20 de enero,
2012).
A consciência da
população foi o maior ganho obtido a partir dos desastres de 2011. Isso ainda
não é suficiente, mas não há dúvida que existe uma preocupação maior por parte
das pessoas que contribui para a diminuição das áreas de risco e também uma
imediata saída das propriedades quando do anúncio de riscos. Se você perguntar
a alguém da comunidade, não importa o quão pobre ela seja, ela saberá, por
exemplo, que serviços de dragagem devem ser conduzidos. Da parte do governo,
parece ainda faltar o mínimo de conhecimento para propor uma intervenção mais
estrutural para reduzir riscos (Cunha, entrevista personal, 12 de enero, 2012).
De fato, a partir
dos questionários aplicados junto às instituições envolvidas no processo de
soluções diversas para o período que se seguiu às cheias de 1995 na Região
Metropolitana de Curitiba e na reconstrução pós-desastre de 2011, na Região
Serrana do Rio de Janeiro, parece haver uma concordância em relação a mudanças
positivas no período que se seguiu à adversidade. Evidentemente, não foram
mudanças estruturais e tampouco ocorreram de forma equânime entre os diferentes
agentes da sociedade. Se houve alteração na forma como a população entende a
dinâmica da ocupação urbana, as particularidades do terreno que ocupam e
sobretudo o papel das agências governamentais, demonstrando níveis mais
avançados de cobrança; da parte do estado, a sua absorção e resposta são
lentas. Na busca das chamadas potencialidades estratégicas aqui discutidas,
porém, parece se confirmar a ideia de que, minimamente,
Hoje, como fora
no passado, grandes catástrofes constituem momentos que levam as pessoas e a
sociedade a pensar sobre si mesmas e sobre seus futuros (Lima, 2008: 7).
Em ambos, os estudos empíricos aqui utilizados como referência, os
níveis de consciência por parte da população em relação a riscos existentes, ao
papel do estado no encaminhamento de soluções e a sua inserção numa sociedade
desigual eram reconhecidamente reduzidos. A despeito de se reconhecer a
dificuldade de medir tal situação, o debate público trazido por essas
calamidades alterou a postura das comunidades mais afetadas frente a seus
representantes políticos e às instituições constituídas para garantir níveis mínimos
de habitabilidade na cidade. No relato das entrevistas realizadas para os dois
casos, a modernização das estruturas da Defesa Civil e das secretarias de
urbanismo municipais, no caso do Rio de Janeiro, e o maior diálogo entre
instâncias governamentais diversas no caso da Região Metropolitana de Curitiba,
são citados como exemplos de conquistas comunitárias agora capazes de se fazer
ouvir.
Similarmente à
pesquisa realizada para o caso dos acidentes de 2011 no estado do Rio de
Janeiro, procedeu-se uma outra pesquisa, porém mais específica para os
propósitos deste artigo, que busca identificar as chamadas potencialidades. No
item a seguir, tem-se uma discussão sobre como intervenções urbanas há muito
considerada importante para o saneamento de uma região, mas jamais contou com
prioridade projetual ou financeira, teve sua realização decidida quando de uma
situação de emergência.
3. O caso da Região
Metropolitana de Curitiba
Catástrofes
não são evidentemente precursoras ideais da implantação de uma política urgente
de atendimento às demandas básicas. É recorrente a observação de que há um já
histórico reduzido comprometimento social por parte da gestão urbana
brasileira. No caso da ocorrência de catástrofes, não apenas esse fato
persiste, mas também fica clara uma reduzida capacidade de gerência e de
apreensão estratégica de oportunidades que possam reduzir necessidades
precípuas da maioria da população.
O estudo de caso
descrito neste item está relacionado a situações de risco ambiental em áreas
urbanas vulneráveis como definidoras de inflexões no planejamento e na gestão
urbana, assim como com o papel do planejamento urbano nas ações de prevenção e
redução de ocorrências de situações de risco. Dessa forma, interessa aqui
discutir o planejamento de forma dual. A primeira, tradicional, como
potencializador ou mitigador de situações de risco, definindo, a
priori, e segundo
conhecimento técnico, áreas a ocupar e com quais parâmetros. A segunda como
instrumento capaz de, frente a situações extremas, se atualizar e mesmo de
rever paradigmas por demais estabelecidos na prática da gestão urbana. Se a
primeira forma de se entender planejamento urbano, e regional, já lhe parece
ser inerente, sobretudo com o avanço da inclusão da questão ambiental nas suas
práticas de ocupação, uso e apropriação do território, é incipiente a sua
formatação pela apropriação das eventuais potencialidades que, paradoxalmente,
as calamidades possam ofertar.
Para entender
essa hipótese, este estudo de caso discute como, a partir de intensas chuvas e
inundações ocorridas em 1995 na Região Metropolitana de Curitiba (rcm), aceleraram a implantação de obras
de saneamento que eram, muito preteritamente, defendidas como necessárias. Mais
especificamente, discute-se aqui a grande inundação ocorrida no verão de 1995
na porção leste da rcm e a
decorrente construção do chamado Canal Extravasor do rio Iguaçu.[12] O referido canal, hoje em
uso, tem por finalidade a contenção das cheias das bacias do Alto Iguaçu e do
Belém, seu afluente, evitando enchentes em áreas contribuintes.
Este estudo de
caso[13] está fundamentado em
pesquisa documental e em pesquisa de campo. A pesquisa de campo foi
consubstanciada em questionários com pessoas envolvidas no processo de decisão
de aporte de recursos diante da situação emergencial. Esta é a fonte de
informações que mais interessa para o presente artigo. As entrevistas foram
realizadas com sete profissionais / políticos - do governador do estado do
Paraná ao técnico responsável pelo licenciamento ambiental - em posição de
destaque decisório para a proposição, avaliação e implantação da referida obra do
canal.
A inundação de
1995 provocou uma precipitação pluviométrica de 121 mm, atingindo 16.655
pessoas e inundando 3.999 casas. Diante da dimensão do impacto, foi decretado
Estado de Calamidade Pública pela prefeitura de Curitiba e Estado de Emergência
na rcm pelo Governo do Paraná.
Além das medidas emergenciais de socorro às vitimas, avivou-se o debate sobre a
construção do referido Canal como medida urbanística estrutural e em discussão
em nível de planejamento e gestão metropolitanas desde a década de 1980.
Para a comprovação quanto à possível agilização, no nível do
planejamento e da gestão,
de intervenção já considerada prioritária, mesmo para períodos de precipitações
medianas, a pesquisa elaborou e aplicou entrevistas semi-estruturadas, composta de cinco questões, cujo foco consistiu
identificar a relação entre a tomada de decisão e a evidência do desastre. As
entrevistas foram aplicadas a pessoas envolvidas diretamente no processo
de defesa e de implantação do Canal Extravasor, todas com poder decisório em
seus órgãos de governo, agregando-se, portanto, visões do nível do planejar e
do gerir.[14] O fato de as entrevistas
terem sido realizadas mais de uma década após o acidente permitiu uma liberdade
maior para os entrevistados, uma vez que já não integravam a equipe de governo
ou posições chave que poderiam sugerir restrições nas análises ou vínculos
políticos.
A seguir, alguns extratos mais significativos dessas entrevistas.
Dada a urgência
para a solução dos impactos ambientais causados pela falta de implantação
desses empreendimentos, foi formada uma equipe técnica ciente do prazo
restrito, que trabalhou na análise e no licenciamento ambiental desses quatro
empreendimentos, de forma ágil, colocando-os como prioridade. (Piazzetta citado
em Hayakawa, 2008).
Em função da
emergência para a construção do canal, o trâmite de liberação do licenciamento
foi agilizado, porém com as previsões das medidas mitigadoras e compensatórias
pertinentes as etapas do licenciamento. (Branco citado emHayakawa, 2008).
Com o estudo
ambiental prévio realizado e aprovado, o Canal Extravasor teve o projeto
executivo acelerado e adaptado às condições extremas observadas durante as
enchentes de janeiro e das possíveis cheias durante o período das chuvas
decorrentes do El Nino. (Hayakawa L. citado emHayakawa, 2008).
Na enchente de
1995, como era uma situação de emergência, com o repasse do recurso do governo
Federal ao Estado foram feitos os primeiros 9 km do Canal Extravasor e ao
Município de Curitiba fez-se a redragagem de 14 km do rio Iguaçu, a qual não
estava prevista no orçamento. (Kluppel citado em Hayakawa, 2008).
De modo geral as
entrevistas demonstram uma concordância em termos da incontestável agilização
na finalização do projeto do Canal, de sua
avaliação ambiental, da disponibilização de recursos para sua obra e sua
construção em curto prazo. A implantação de medidas de forma acelerada é parte
inerente de Situações de Calamidade e de Estados de Emergência; o que distingue
a situação aqui apresentada é fato de a obra já ser reiteradamente, técnica
ambiental e socialmente, defendida em momentos de normalidade climática, porém
sempre sem sucesso. A leitura das respostas
dos técnicos envolvidos na confirmação da intervenção, indica mais que uma
esperada agilização no nível do planejamento e da gestão urbana nas
liberações de recursos, a sua simples confirmação como prioridade.
Reconhece-se que,
apesar de se poder identificar a confirmação e agilização na disponibilização
de recursos para a obra de saneamento, a forma com que esse processo ocorreu
demonstrou também - tal qual no caso dos desastres na Região Serrana do Rio de
Janeiro - um baixo nível de apropriação governamental frente a outras
oportunidades estratégicas que deveriam ter sido positivamente identificadas.
A realização da
obra do Canal Extravasor demandou a liberação de extensas áreas constantemente
sob pressão de ocupação irregular e com características
ambientais que inviabilizam sua urbanização, ainda que com elevadas
inversões de recursos técnicos e financeiros. A própria enchente, ao exigir a
remoção de famílias para áreas previamente estabelecidas pelo planejamento,
igualmente liberou parcelas dessas áreas. Todavia, a inexistência de
estratégias de ocupação territorial por parte dos governos municipais e estadual
para essas áreas remanescentes, não obstou novas ocupações irregulares e com
densidades ainda mais altas que no estado prévio. Disso resultou o assentamento
denominado Vila Audi,[15] ao longo do rio Iguaçu e
atualmente em custoso processo de reorganização, relocação e implantação de um
parque.
Tal ocupação
diminuiu a avaliação positiva que se faz do Canal; entretanto, não se
desconsidera-o como paradoxal potencialidade resultante de uma adversidade
natural. A crítica que persiste diz respeito à falta, por parte das autoridades
envolvidas, de um juízo crítico na relação entre seu compromisso em atender a
demandas básicas de habitação social, seu poder regulatório e fiscalizador na
ocupação do solo urbano e o interesse e necessidade da população de baixa renda.
A pesquisa
desenvolvida ao se completar exato um ano do acidente da Região Serrana do Rio
de Janeiro, similar na técnica investigativa e no propósito, revelou resultados
similares. Neste caso deste acidente, o qual causou 915 mortes em sete cidades,
as entrevistas foram realizadas junto a profissionais / políticos municipais e
do governo estadual do Rio de Janeiro, técnicos dos serviços de Defesa Civil
existentes na região, e jornalistas.[16]
No caso específico da pesquisa no estado do Rio de Janeiro, também qualitativa,
revelou uma situação de fortes mudanças na forma de atuação da gestão pública e
na organização comunitária. Essa mesma organização, inexistente no momento
anterior ao desastre de 2011, é agora fundamental para a garantia da
internalização dos recursos prometidos durante a exposição da adversidade na
mídia nacional.
De fato,
situações de risco e calamidade aglutinam uma miríade de interesses e revelam e
alteram relações, compromissos, deveres e obrigações. O caso analisado das
inundações na rmc indica a
apropriação positiva de uma potencialidade, porém, demonstra a inépcia e
descompromisso com outras. O caso analisado dos deslizamentos na Região Serrana
do Rio de Janeiro indica por sua vez a criação de uma consciência organizativa
das comunidades impactadas e uma modernização administrativa de agências
governamentais responsáveis pelo controle do uso do solo urbano e por programas
de habitação popular.
Em ambos os
casos, porém, mais uma vez, evidencia-se a necessidade de uma discussão, no contexto
das políticas públicas urbanas, do papel dual do planejamento: não apenas como
parâmetro intencional de construção e uso das cidades, mas também como
instrumento de comprometimento explícito do estado frente a demandas sociais.
Mais importante que observar e apropriar-se de potencialidades é, tal qual
recorrentemente se defende, definir estrategicamente esse comprometimento.
Considerações finais
Neste artigo
discutiram-se mudanças no referencial teórico relativo a situações de
emergência e a processos de reconstrução. A partir de uma visão mais restrita
em relação à fenomenologia das adversidades naturais, o interesse cientifico
avançou para uma compreensão mais complexa, multidisciplinar, apta a priorizar
a prevenção e não o reparo e a vulnerabilidade social, e não o fenômeno
físico-ambiental.
A partir do
momento em que a consciência acerca do risco é entendido pela população
atingida, facilita-se a sua participação na elaboração das políticas públicas
relacionadas com o planejamento urbano de uso e ocupação do solo, assim como a
compreensão do papel das agências governamentais também demonstram níveis mais
avançados de cobrança da parte do estado.
Se tal mudança
significa avanços significativos para a convivência que se indica ser cada vez
mais ostensiva da sociedade urbana com adversidades naturais e acidentes,
observou-se aqui a validade de outra mudança; aquela que, reconhecendo o
paradoxo, se propõe a identificar recursos estratégicos quando da ocorrência de
perdas sociais, econômicas e de desestabilização do tecido, tangível e
intangível, urbano. Para sustentar a defesa de tal mudança, discutiram-se,
ceticamente, as ações de solidariedade, aqui entendida como compromissos de
solidariedade institucional de ajuda na gerência de emergências, em processos
de reconstrução e em medidas de planejamento para a redução de risco,
implicando em prioridades distintas de solidariedade, e, com pragmatismo
gerencial, a paradoxal existência de potencialidades em momentos de
adversidades naturais.
Estar-se-ia assim
frente a uma postura 1. Estratégica para identificar potencialidades no momento
de adversidades e 2. De desconfiança a fatores que, em princípio, nos são
sempre positivos, como é o caso da solidariedade. O estudo do processo de
obtenção de recursos para o projeto e obra do canal extravasador da Região
Metropolitana de Curitiba pode exemplificar a importância da primeira postura;
o estudo dos impactos trazidos pelo acidente de 2011 no estado do Rio de
Janeiro exemplifica a validade da segunda postura ao provocar sobretudo
mudanças positivas na organização da comunidade local e no papel de agências do
governo.
Para esse caso
específico, a organização da comunidade revelou uma demanda que vai para além
da ajuda emergencial. De fato, conforme demonstrado nas entrevistas, o
importante já não pode se limitar ao atendimento a demandas emergenciais
efetivado por meio de doações em alimentos, vestuário e abrigo temporário.
Formas tradicionais de solidariedade foram reiteradas como importantes, porém
se mostraram insuficientes e, mais importante que isso, alertaram para a
necessidade de mudanças estruturais na forma de uso e ocupação do solo urbano.
A identificação
desta mudança, de ordem estratégica e operacional, é visualizada como possível
nos níveis do planejamento e gestão urbana. Com isso, esses dois instrumentos
transformativos da cidade não apenas exerceriam um papel de prevenção e redução
de ocorrências de situações de risco, mas igualmente estratégico, mais uma vez,
na identificação e apropriação de eventuais potencialidades delas advindas.
Nos estudos de
caso relatado neste artigo, apresentado com a intenção de discutir a
necessidade de mudanças, demonstrou a existência de potencialidades meio a
adversidades e sugeriu a importância de sua apreensão. Ao observar sua
apreensão de forma mais contundente por parte da população, revelou porém que,
em nível das políticas públicas, o estado as apropria de forma parcial, como no
caso da Região Metropolitana de Curitiba, ou as desconsidera, como no caso da
Região Serrana do Rio de Janeiro. Naquilo que diz respeito especificamente à
Região Serrana do Rio de Janeiro, foi revelado, por um lado, ações de
solidariedade imediatas e que satisfizeram necessidades mais emergenciais; por
outro, paradoxalmente, contribuíram para reduzir o debate sobre questões
absolutamente fundamentais para que eventos como o acidente de 2011 se repitam.
De fato, a mesma solidariedade que se mostrou efetiva em seus propósitos mais
específicos, retardou a solução de problemas há muito considerados estruturais. Ainda que em menor dimensão, a repetição de adversidades similares em janeiro de 2012,
sobre o mesmo conjunto de municípios, confirma essa conclusão.
Reconhece-se que esta pesquisa ainda requer ampliações investigavas
relativamente ao seu recorte espacial, temporal e mesmo de tipologia de
acidentes. Todavia, nos parece possível arriscar, minimamente, sugerir a
continuidade da discussão, no nível da gestão urbana, sobre o paradoxo entre adversidade e potencialidade,
ceticismo e solidariedade, quando da
ocorrência de acidentes naturais. Se observados os acidentes sob o ponto de
vista da multiplicidade dos agentes envolvidos, a partir da sua relação com a
vulnerabilidade, risco, situação social, enfrentamento e respostas das
catástrofes da natureza, abre-se espaço, para avançar, para um debate de
políticas públicas na forma de minimizar os acidentes naturais em curso.
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Aceptado: 25 de setembro de 2013.
Clovis Ultramari.
Brasileiro. Arquiteto e doutor em meio ambiente e desenvolvimento urbano. É
professor em gestão urbana da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e
professor colaborador no Programa de Pós-graduação em Meio Ambiente e
Desenvolvimento da Universidade Federal do Paraná. É pesquisador Produtividade
pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Sua
linha de pesquisa atual diz respeito ao estudo dos Grandes Projetos Urbanos e
seus impactos físico-territoriais das cidades, dos Grandes Acidentes Naturais e
a geração de oportunidades a partir de tais adversidades. Complementarmente,
tem iniciado uma nova temática de interesse que é a da Migração das Ideias no
estudo do urbano: suas origens e condições de replicabilidade. Entre suas publicações vale destacar:
“La recurrencia de las ideas en el estudio de planeamiento urbano en Brasil”, Ciudad
y Territorio, Estudios Territoriales,
XLV, série 175, pp. 147-162 (2013); “Um acidente e duas perspectivas analíticas:
o grande terremoto de Lisboa e os estudos de Edward Paice e de Rui Tavares”, Revista EURE, 39 (118), Pontificia Univeridad
Católica de Chile, Santiago de Chile, pp. 269-272 (2014); e “910; 7; 365 an
essay on urban potentialties”, Land Use Policy, journal
citation Report, 34, pp. 125-133 (2013); em coautoria, “Sobre mudanças e
continuidades na gestão urbana brasileira”, Revista Mercator, 1, Universidade
Federale do Ceará, Fortaleza, pp. 73-88 (2012).
Iuri Fukuda Hayakawa. Brasileira. Arquiteta, mestre e doutora em gestão urbana
pelo Programa de Pós-graduação em Gestão Urbana da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná. Integra o quadro de profissionais do Instituto de Pesquisa
e Planejamento Urbano de Curitiba (ippuc).
Sua linha de investigação atual é a da sustentabilidade urbana; impactos de
acidentes naturais e ações de recuperação. Suas publicações mais recentes são:
“Planeación urbana en Curitiba”, Revista Quivera, 1, Universidad Autónoma del Estado de
México, Toluca, pp. 52-69 (2010); “Situação de risco como definidoras de
inflexões no planejamento e na gestão urbana: um estudo em Curitiba”, Anais do
XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais /ABEP, 29 de setembro a 3 de
outubro de 2008, Caxambu.
[1] Artigo com a discussão específica sobre esse desastre frente a possíveis potencialidades que dele possam ter decorrido são encontradas em Ultramari (2013).
[2]“a clássica consiste em medir o prejuízo potencial dos elementos expostos; a nova, integrada e complementar à primeira, preocupa-se com as condições ou com os fatores propícios aos prejuízos ou caracterizadores da capacidade resposta a uma situação de crise” (do original em francês).
[3]Quase metade das doações francesas para vítimas do tsunami na Ásia em 2004 se manteve sem uso por 12 meses e deveriam ser destinadas a outras causas humanitárias […] Isto explica o volume de fundos não gastos das doações das organizações não-governamentais. O problema geralmente encontrado pelas ong não é de financiamento de projetos, mas de uso abundante, ou ainda de recursos demasiadamente abundantes […] o Banco Mundial disse que cerca de 60 por cento dos 600 milhões de dólares para socorro às vítimas do tsunami foram destinados a duas províncias indonésias, mas não haviam sido gastos, mesmo assim, essa taxa de utilização de despesas foi mais rápida se comparado aos de desastres naturais anteriores. […] No caso da Cruz Vermelha francesa cerca de 85 por cento do total não foi utilizado até o final de 2005. (Do original em inglês).
[4]Nesta pesquisa, os autores discutem a ajuda para o desenvolvimento e não necessariamente a ajuda humanitária. A relação de suas conclusões com aquilo que aqui se discute está no olhar cético frente a algo que sempre nos é apresentado como inteiramente positivo.
[5]Do original em inglês.
[6]Do original em inglês.
[7]fenômeno que é parte de mudanças societárias reais, concretas e difíceis de serem identificadas […] Em geral, como é de se esperar, tais mudanças não ocorrem de forma linear, mas são caracterizadas por regressões, reiterações e performances marginais (do original, em inglês).
[8]A maldição da ajuda.
[9]No caso da União Europeia (ajuda entre os membros do bloco, apenas), esforços têm sido feitos para diminuir eventuais incongruências no repasse de recursos comuns para países com adversidades naturais. Decisão recente do Conselho do Bloco substitui a simples e dúbia situação de “grande parte da população do país estar afetada, repercussões de impacto e duradouras sobre as condições de vida e de estabilidade econômica” por “perdas de 1,5% no Produto Interno Bruto do país” como pré-requisito de elegibilidade para recebimento dos referidos recursos (Council of the European Union/Economic and Financial Affairs Council, 2014: 1, do original em inglês).
[10]Esta pesquisa é realizada com fomento do CNPq, sob coordenação do primeiro autor deste artigo e intenciona determinar grandes áreas com recorrência de acidentes em nível do território nacional. No caso da Região Serrana do Rio de Janeiro, procedeu-se a uma série de entrevistas com agentes locais, destacando aqueles que integram as prefeituras municipais e as agências de Defesa Civil. As questões do questionário são: 1. Vocês atuaram em um problema local, porém vinculados a uma instituição internacional. Esse vínculo impõe regras ou práticas que de outra maneira vocês não adotariam? 2. Vocês trabalham em momentos de tragédia. É possível observar algum aspecto positivo que se imponha na realidade, uma vez encerrada a emergência? (ex.: novas práticas, novas leis, novos comportamentos, publicação de um problema sério, mas pouco discutido na sociedade). 3. Do ponto de vista institucional, ter se envolvido em uma calamidade que contou com exibição na mídia pode ter contribuído positivamente para outras ações ou militâncias da instituição que você representa? 4. A partir da atuação de sua instituição durante o período de emergência é possível identificar continuidades? 5. Do ponto de vista das ideias defendidas por sua instituição, é mais fácil e mais “proveitoso” atuar durante emergências ou durante momentos de normalidade?
[11]Esse desastre diz respeito a minimamente nove municípios do estado e provocou a morte de quase mil pessoas.
[12]Este canal, com extensão de 20 km, largura variável entre 25 a 40 metros e de 3 a 4 metros de profundidade, corre paralelo ao rio Iguaçu, o qual constitui a principal bacia de abastecimento da rmc e corta suas principais áreas urbanizadas.
[13]A íntegra deste estudo de caso pode ser encontrado em Hayakawa (2008).
[14]No total, contou-se com sete técnicos em posição de decisão durante o início e a avaliação da obra do Canal: a) o governador do Paraná na época, arquiteto Jaime Lerner, por ter decretado Estado de Emergência na RMC e centralizado a coordenação das obras do Canal; b) o diretor-presidente da Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba, arquiteto Luiz M. Hayakawa, por presidir ações delegadas diretamente pelo governador do Estado para o planejamento, projeto e obras do Canal; c) o Secretário Municipal de Saneamento e Obras do Município de Curitiba, engenheiro civil Nicolau Kluppel, por representar o órgão que executou a obra; d) a chefe do Departamento de Avaliação de Impacto Ambiental, do Instituto Ambiental do Paraná, engenheira florestal Themis Piazzetta, por coordenar o processo de licenciamento da obra; e) o diretor de Engenharia da Superintendência de Recursos Hídricos e Saneamento do Paraná, engenheiro civil José Scroccaro por participar do desenvolvimento e detalhamento do projeto; f) o diretor dessa mesma instituição, engenheiro civil Carlos A. Galerani também por desenvolver a parte técnica do projeto; g) a técnica integrante da equipe do Departamento de Avaliação de Impacto Ambiental do Instituto Ambiental do Paraná, socióloga Schirle M. dos R. Branco, por participar do processo participativo no licenciamento ambiental da obra.
[15]Cadastro Único do Governo Federal, aplicado pela Companhia de Habitação Popular de Curitiba, 2010, revela um total de 2.554 domicílios ocupando área de fragilidade ambiental.
[16]O total de entrevistados foi de 25, garantindo uma amostragem mínima de formadores de decisão ou então de tomadores de decisão de 3 por município. Apesar de as mortes ocorrerem em sete municípios, as chuvas afetaram o cotidiano e desalojaram famílias em outros oito, totalizando uma região afetada de quinze municípios distantes 100 km da cidade do Rio de Janeiro.